NO "HOME OFFICE"

É quarentena, combate à proliferação do novo coronavírus no mundo inteiro. Isolamento e distanciamento social. Não é uma situação fácil. É um espirro que me chama atenção. Uma súbita falta de ar que me mete em apuros. Uma vertigem que jamais acontecera baila por meus olhos esbugalhados, girando tão rápido que mal consigo ter foco em algum objeto no meu espaço de visada, que porventura é escasso, pois ainda o dia vai iniciar sua alvorada. Tento um cochilo repentino, mas aquela ciranda sempre me coloca em toda sua agitação.

Sorrateiramente consigo desviar daquela medonha dança e adormeço novamente. Acordo daquele tormento e um sentimento de abandono me acomete, como nesses longos um mês sem ver muita gente. Sinto-me em total solidão cercado de objetos abstratos e parece que minha única companhia real nesses longos dias é a maldita ansiedade, já sentida por essa alma alguns anos atrás.

Embora todo esse elenco caseiro esteja disposto entre quatro paredes e o enredo pareça satisfatório às frustrações mentais, um outro público, menos evidente, formado por letrinhas e outras teclas em um corpo engenhosamente desenhado, é quem se esforça com empenho para cumprir minhas obrigações cotidianas. As vezes também me aparecem os ócios do ofício que emanam da própria atuação da ansiedade. Mas esse mesmo distúrbio parece estimular uma força contrária de ânimo e dedicação. É aqui nesse objeto que faço as buscas pertinentes de artigos científicos que serão base para meu plano de trabalho na instituição de pesquisa que labuto. Aqui também desenvolvo sua escrita, faço download de bases de dados e posso me reunir virtualmente com os membros da equipe e participar das conferências necessárias.

Uma outra forma de desviar o foco do enredo desastroso aqui entre quatro paredes, quando estou nos “ócios do ofício”, é uma reinvenção das minhas tarefas do cotidiano. Aventuro-me em jogos de estratégia, vou lá nos classicões dos anos 90 e retorno aos recentes games de gráficos mais avançados. Quando não estou desafiando inimigos virtuais, planejando uma cidade ou transportando passageiros pelas longas estradas da telinha, abro um novo documento no Word e passo a ser um simples escritor como já fui no passado, sempre atento aos detalhes de minhas histórias, que em quase totalidade são situações reais.

Apesar desse meu companheiro lutar bravamente em seu desempenho máximo aqui no “home office” ele parece se dedicar de corpo, bits e memória para que eu seja sempre o “ator principal” nessa quarentena solitária, carente e de sentimentos à flor da pele aqui em casa. Vou promovê-lo de “figurinista” a “ator coadjuvante”, por ora.