Felicidade

A espera no ponto de ônibus não é muito longa. Entro e vejo que não há lugares vagos. Como sei que nessa linha, geralmente as pessoas descem pelo meio do caminho, não me preocupo e espero vagar um lugar. Dois pontos depois, de fato alguém levanta e eu sento. Respiro fundo, relaxo e começo a pensar na vida. Mas não dura. Um ou dois minutos depois uma senhora por volta de setenta anos pára ao meu lado. Conto até dez e levanto. Dou lhe o lugar. Tenho cinquenta e seis anos, trabalho desde os dezesseis. Tomo um ônibus, trem e depois o metrô até a empresa. Trabalho das 12hs às 21hs. Por uma questão de cidadania, cedo meu lugar. Dois pontos depois, mais uma pessoa levanta para descer. Penso em sentar, mas vejo que vem pelo corredor um senhor, também idoso. Afasto-me da cadeira e cedo novamente o lugar.

E essa troca de pessoas idosas vai acontecendo ao longo do trajeto. Entram no ônibus. Ficam por um ou dois pontos e descem. Enquanto isso vou me cansando e me estressando já na primeira etapa do caminho para o trabalho. Começo a pensar como será o meu dia. Penso que idosos poderiam caminhar de um ponto a outro – mas eles não pagam pelo transporte. Penso que o Governo é o grande culpado, porque não fornece transporte suficiente. Penso que estou errada, porque escolhi morar em um bairro onde a faixa etária é elevada. Penso nos impostos que pago – que paguei a vida inteira, afinal trabalho há quase quarenta anos! Penso que poderia ir trabalhar de carro todos os dias, mas o estacionamento está R$ 17,00 a diária. Juntando isso com o combustível, o desgaste do veículo, e mais vinte quilômetros percorridos em uma hora e meia não valem a pena. Melhor ir de pé no ônibus. E no trem e no metrô.

Surge mais um lugar no ônibus e já não quero mais sentar! Estou emburrada! Mas mesmo assim, uma senhora me empurra para sentar. Estoicamente me afasto.

Tenho pensando em ir a pé até a estação de trem, mas são quase quatro quilômetros, e no sol das 10hs da manhã, ou na chuva, prefiro ir de ônibus.

Finalmente a grande maioria dos idosos, gestantes e mães descem do ônibus e sobra um lugarzinho para sentar. Olho para todos os lados para ter certeza que não serei novamente empurrada, ou que não surgirá alguém para ficar de pé ao meu lado cobiçando meu lugar. Ninguém! Sento, afinal como disse antes, tenho quase sessenta anos, três hérnias de disco, uma bursite no quadril direito, um joanete no pé esquerdo, bico de papagaio na coluna, um marido, dois cachorros e uma casa pra cuidar.

Pego meu livro e começo a ler, afinal preciso de alguma distração até o final do percurso. Faço isso de segunda à sexta, e às vezes aos sábados também. A leitura é o melhor remédio para passar o tempo, mas o motorista pára o ônibus! Desce, vai até a porta traseira e pergunta para uma passageira se é esse o ponto. Ela diz que sim. Na minha fúria interna, penso: vou chegar atrasada! Mas então algo acontece que muda meu cotidiano.

Olho para trás para entender o que acontece, e vejo o motorista em atitude gentil, com um controle remoto na mão, baixando a rampa para cadeirantes. Olho para seu rosto e ele sorri, fazendo seu trabalho do dia a dia, com toda paciência do mundo. Aquilo me toca, como algo se movendo dentro do meu peito, e de repente também estou sorrindo internamente.

Uma senhora e sua filha cadeirante – uma menina de uns 20 anos, provavelmente paralisia cerebral, pois seus movimentos são limitados. A rampa não alcança devidamente a calçada irregular, então, um senhor que passa, coloca sua mochila no chão e levanta a parte dianteira da cadeira de rodas, e o motorista faz o apoio na parte traseira, até que a cadeira esteja devidamente apoiada na calçada. E saem, mãe e filha, pela calçada. A mãe não empurra a cadeira porque a menina, mesmo com toda dificuldade, dirige ela mesma.

Repenso meus pensamentos e meus motivos para não estar feliz. Não existem! Olho lá fora e o dia está ensolarado, brilhante! Tenho trabalho, saúde, uma boa casa, um bom marido e dois lindos cachorros. Vou e volto onde quiser. Como quiser. Quando quiser. Olho para o lado o sorrio para a senhora idosa que me sorri de volta e conta que vai comprar lã para um cachecol. Sinto alívio como se aquele sentimento triste fosse um peso, e as atitudes daquelas pessoas tiraram aquele peso. O ônibus para na estação e saio alegre para o dia, para o mundo, para a vida. Porque, por mais que a situação não seja a que esperamos, cidadania não significa somente direitos ou deveres relacionados à vida política, mas também o conjunto de valores sociais que norteiam a vida de um indivíduo, e respeito aos direitos – principalmente o de ir e vir – de outra pessoa é o que nos torna seres humanos!

Então, felicidade é isso – é perceber que o que se tem, seja doce ou amargo, faz parte de sua vida. Que dar lugar para alguém no ônibus, mesmo estando cansado, pode ser um grande ato de felicidade!

Fátima Batista
Enviado por Fátima Batista em 27/05/2020
Código do texto: T6960210
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