Alice

E Alice chegou. Não me refiro à de Scorsese, que poderia ser vista por muitos num canal de streaming, mas àquela que os tempos de pandemia limitam a visualização. Além disso, a do diretor, aquela que “não mora mais aqui”, contrapõe-se ao fato de que, ainda que temporariamente, e para alegria nossa, ela mora sim, aqui.

Também não é a que é cantada na música, até porque ainda não chegou o tempo de se pedir para ela que se oriente pelos versos da canção “Alice, não me escreva aquela carta de amor”, como diria o Kid Abelha, e que eu, certamente pela minha carência afetiva, tiraria a negativa da frase.

Ela também não é a que está perdida no País das Maravilhas, facilmente confirmado por pelo menos dois motivos: O país em que ela vive (o mundo aliás) não anda lá essas maravilhas e, pelo menos por enquanto, como já disse, está bem “achada” aqui em nosso ninho.

A Alice a que me refiro é a “minha” Alice, a sexta neta, a segunda princesa que passa a reinar ao lado da prima Lívia, cujo reinado solitário durou 9 anos.

Os tempos são bem diferentes do nascimento dos outros cinco. A festa começava na maternidade com um mundaréu de gente entrando e saindo, carregando no colo, tirando foto, anunciando ao mundo a chegada de mais um ser vivente. Agora, nem podemos ver quem chega, muito menos quem se vai. O conhecimento dos estreantes dá-se por fotos que o pai (o único a ter acesso no hospital) pode nos enviar, além das famosas “lives” para não deixar os familiares tão fora da vida dessa nova pessoa. Isso porque as visitas dos outros avós, primos, amigos, ..., paciência, estão interrompidas e Deus sabe até quando.

Como avô materno tenho o privilégio de poder acolher Alice em seus primeiros dias de vida. É como um “começar de novo”, como cantou o poeta. Agora, podendo ser até mais presente do que na época do nascimento dos filhos, estando as 24 horas do dia à sua disposição. Dar banho de sol na varanda, colocar para dormir, segurar enquanto a mãe se alimenta, tudo isso pode ficar ao meu encargo.

Mas, e como será Alice quando crescer? Que traços ela terá de Thiago Filho, Pedro, Lívia, Lucca e Levi, seus primos? Quão parecida será com Lara, sua mãe, ou com Diego, seu pai? Ou será única, sem puxar traços de nenhum desses? Mistério...

Imagino que seja uma menina bem meiga e que ficando alguns dias sem contato com os avós, possa me mandar uma mensagem, como recebi de sua prima Lívia dizendo “Vô, tenho saudades do nosso abraço”. Mas espero também que seja curiosa como a outra Alice, para querer saber “quanto tempo dura o eterno” e receber de volta a intrigante resposta de que “às vezes apenas um segundo”.

Que esses nossos momentos, Alice, com você como hóspede de luxo, dividindo o isolamento social com os seus avós, sejam eternos em nossas memórias, durando muito mais que um segundo, trazendo o mesmo efeito daquelas lembranças retratadas por Pedro Nava em seu Baú de Ossos, que um dia o seu avô vai lhe apresentar, contando com isso com a benevolência do tempo. E que eu possa aprender com você para poder contar ao mundo o aprendizado do poeta pernambucano Joaquim Ricardo ao se referir à sua Alice: “Foi Alice quem me disse que não era preciso escolher entre a paixão e a razão”.

Seja bem vinda, princesa Alice!

Fleal
Enviado por Fleal em 28/05/2020
Reeditado em 28/05/2020
Código do texto: T6960926
Classificação de conteúdo: seguro