ECOS DA PANDEMIA

ECOS DA PANDEMIA.

O passado está estampado à nossa frente.

Há os que seguem em frente, a maioria, e os que sem caminhos novos ficam pelo ponto de partida. Os que seguem as diretrizes do comum serão os palestrantes do sucesso. Os sem caminho, serão exemplos do fracasso. No entanto existem atalhos e os contestadores, aqueles que assumem a incerteza, contra toda lógica estabelecida, todo caminho pronto, são os que de alguma forma acrescentarão pavimentação á avenida dos novos valores estabelecidos.

Uma vitrine em noite de pandemia. Ninguém à rua, nada em volta, apenas fachadas iluminadas com manequins desnudos, em poses absurdas, estampando somente a atitude. Nada de roupas ou efeitos de luz, um palco morto numa época louca de ausência. Percorro a avenida. Vitrines escancaradas de promessas não cumpridas, brancas, sem ofertas e intenções. Um boneco com mãos na cintura, em pose de reverência, parece cumprimentar os passantes inexistentes. Manequim feminino cobrindo o sexo com mãos caídas entre as pernas deslocadas como um paraplégico desgovernado. Imagem de fim de vendas, de feriado alongado, de abandono, de cortina que esconda o desleixo.

A chuva cai com força, pés encharcados acompanham o som das chaves. O velhinho se propõe a fechar as vitrines. Tarde demais, o som do molho de chaves desperta os bonecos, os quais assumem posturas curiosas. Na medida em que as portas se fecham eles se abaixam, acompanhando as folhas de aço, de tal forma que quando estas se cerram por completo, fecha-se também toda a possibilidade dos manequins escapulirem pela avenida bailando desengonçados a procura dos atalhos que os livrem da mesmice.

O velho segue em frente na noite, arrastando a corda com chaves pelo petit-pavé do calçadão da cidade deserta, aprisionando outras figuras tristes nas vitrines molhadas.

Empurro mais fundo o chapéu na cabeça, levanto as golas do casaco e sigo. Meus pés encharcados ensaiam passos de dança, evitando poças de água na calçada, e de pulo em pulo me afasto rumo à solidão no futuro.

Não voltarei, entretanto, às vitrines do passado, apesar dos manequins do presente implorem por atenção.