COMUNISMO DE RAIZ

Demétrio Sena - Magé

O que houve de mais belo e profundamente significativo em nossa infância de pobreza quase extrema, foi a sábia orientação de nossa mãe sobre nada ser exclusivo de um de nós. Mesmo quando queríamos burlar essa lei natural de nossa condição de vida, não havia como fazê-lo. Não tinha como existir o eu absoluto. Tudo girava em torno do nós e dos nós que nos atavam numa necessidade contínua de sobrevivência. Uma urgência diária em que o destaque sistemático de um seria o fim dos outros.

Uma bisnaga era dividida em dez partes. Um ovo se tornava omelete para dividir entre dez. Quase sempre, a moradia era em cômodo único e todos se aglomeravam para dormir. Ainda que não quiséssemos, os abraços, a partilha dos trapos que serviam de cobertores e a troca de hálitos eram inevitáveis. O comunismo de raiz era real em nossa família.

Hoje, por termos condições bem melhores que na época, não temos coragem de criar filhos com aqueles conceitos, até porque, nossa lembrança é de um regime ocasionado pela necessidade. Mas penso que aquela é a criação ideal, por consciência. Uma criação em que tudo é de todos, independente de quem conquistou mais, considerando que todos empreenderam os mesmos esforços.

Deveríamos, mesmo na fartura e no sucesso, ter menos apego ao eu, ao meu, e muito mais visão do nós; do nosso. Quero salientar, antes de qualquer julgamento, que este não é um discurso de quem permaneceu assim... mas de quem jamais comseguiu retomar essa prática, por faltar a força da necessidade pessoal quase extrema. Em minha visão, as sociedades deveriam se mirar nas lições da pobreza, para serem mais justas e humanas na riqueza.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 14/08/2020
Reeditado em 14/08/2020
Código do texto: T7035535
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