Juízos e pré-juízos

Os passeios matinais de bicicleta proporcionam-me momentos únicos. Além de cuidar da saúde tenho a oportunidade de refletir, solitariamente, sobre temas diversos. Trata-se também de uma excelente oportunidade para atentar o ambiente e ver como as pessoas se movem em torno dele.

Numa dessas manhãs do pedal vi um senhor colocando em sua calçada, o que se chama por aqui (com os meus protestos, claro) de “gelo baiano”. Todas as casas vizinhas têm o seu calçamento, mas nenhuma delas tem aquele equipamento que ele estava colocando. Como a rua não fica situada em local que as pessoas buscam para estacionar, comecei a formar o meu juízo daquele senhor, a partir daquela atitude. Primeiro imaginei uma intriga com vizinhos, que inadvertidamente, colocavam os seus carros na calçada dele. Era a forma de delimitar o seu espaço, impedindo que algum aventureiro o ocupasse. Observei atentamente e vi que não havia na calçada nenhuma árvore que produzisse sombra, que fizesse com que alguém preferisse aquele local a outro. Nas outras calçadas era tudo igual. Por que então, alguém sairia do seu canto, igualzinho ao outro, para estacionar ali o seu carro? Birra entre vizinhos? Confesso que comecei a fazer mal juízo daquele homem, por conta das motivações que eu imaginava ele estaria tendo para colocar aquele apetrecho na sua calçada. E pensava sobre a natureza humana, vendo ali materializada a sua provável rixa com os seus vizinhos. Naquele dia, os meus quinze quilômetros de pedaladas foram marcados por esses pensamentos. E sempre que passava por lá, já que eu acompanhei todos os momentos de colocação da barreira, acompanhava o trato do senhor com aquela jeringonça, agora já pintada de amarelo, compondo o ambiente com os cuidados que a polícia de trânsito teria se o tivesse colocado em uma via pública.

Até que veio uma chuva e, como a rua da minha observação não é calçada, comecei a entender o gesto daquele senhor. A combinação de chuva e falta de calçamento resultou numa imensa poça d’água em frente à sua casa e, do mesmo jeito que eu, com a minha bicicleta procurei me desviar do lamaçal subindo na sua calçada, imaginei que todos os carros que passavam por aquela rua, até por não saberem os motoristas o que os aguardavam debaixo de toda aquela água, faziam também aquele caminho. Com isso, a calçada que não foi feita para suportar o trânsito frequente de veículos, certamente que era estragada com aquele movimento repentino.

E foi aí que eu entendi a verdadeira motivação daquele senhor. Não tivesse eu passado naquele local num período de chuva, a minha opinião sobre ele seria a de um vizinho encrenqueiro, que por conta de uma calçada, criava dificuldades de relacionamento com os moradores próximos.

E as minhas elucubrações naquele dia foram sobre os juízos preconcebidos que fazemos das pessoas. Os famosos pré-juízos. Tem sempre o outro lado a se observar. Como dizia um amigo: até um relógio quebrado, duas vezes por dia marca a hora certa. Por que então não observamos todos os lados antes de emitirmos a nossa opinião sobre o outro?

Fleal
Enviado por Fleal em 25/08/2020
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