Já que Deus quer

Era uma senhora simples.

Meia idade, cabelo grisalho mal pintado de loiro, rugas no rosto e um olhar sofrido. Vestia uma jeans surrada e uma camiseta da campanha do supermercado local. Além de chinelos havaianas.

Quando vi seu prontuário, ela tinha 42 anos., exatamente a minha idade.

Pedi para entrar e sentar-se.

Compelida, não conseguia chamá-la de você, apenas senhora.

Pedi para explicar-me o que ocorria.

Explicou-me ser a sexta gravidez. Já tinha cinco filhos.

Mas antes do marido ir embora, por causa da outra mulher, deixou mais esse presente.

Perguntei como ela se sentia e examinei-a.

O coraçãozinho do bebê já batia forte e pelas minhas contas estaria de 24 semanas. Sendo essa sua primeira consulta pre natal.

Vestiu-se. Perguntei-lhe como criaria mais um filho.

Ela sorriu meio amarelo, vi que dois dentes lhe faltavam na boca e respondeu:

- A muié lá me ajuda. Deu umas ropinhas pro meu urtimo, que guardei pra quando minha mais veia tivé o nene dela. Ela tá gravida de oito meis.

Eu limpo a casa da muié rica e ela me paga por dia. A minha mais veia ta desempregada, e cuida dos três pequeno pra mim. Vai cuida do piá dela quando nasce e desse meu urtimo também.

Pareceu-me estranho tudo aquilo.

Mas para ela era muito normal.

Fiz-lhe a receita das vitaminas pré-natal, unicamente as que a farmácia do posto forneciam, pois sabia que não iria comprar nada além.

Remarquei nova consulta de acompanhamento mensal.

Ela não perguntou nada, não sei se entendera sequer uma das minhas orientações. Talvez nem tivesse ou quisesse prestar atenção.

Quando me levantei para abrir a porta para ela sair ela me falou:

- Tomei treis litro de chá de arruda, mais já que Deus qué, que venha, né?

Obs: chá de arruda: conhecido popularmente por ter ação abortiva.