NESTOR TANGERINI, ARACY CÔRTES E OSCARITO

TANGERINI, OSCARITO E ARACY CÔRTES

Nelson Marzullo Tangerini

Em junho de 1940, Nestor Tangerini demonstra sua força e sua superação, seis meses depois, portanto, de perder o braço esquerdo num acidente de ônibus, no Largo de Benfica, no Rio de Janeiro.

Seu humor continua aceso e ele escreve a peça ‘Goela de pato’, que tinha, no elenco, atores de grande quilate, como Aracy Côrtes e Oscarito.

Assim o jornal carioca Diário da Noite, do dia 28.6.1940, noticiou, na página 5, a estreia de mais uma peça do autor, agora no Teatro Recreio.

“’NADA TENHO COM ‘GOELA DE PATO’,

DECLARA NESTOR TANGERINI

Tudo depende dos artistas – Ninguém pode prever o sucesso de uma revista – O significado da estreia de hoje.

A estreia logo mais, às 21 horas, no Teatro Recreio da revista-‘charge’ de Nestor Tangerini, ‘Goela de pato’, marcará, sem dúvida alguma, um acontecimento no teatro musicado brasileiro.

Autor dos mais famosos, Nestor Tangerini tem, no teatro ligeiro do Brasil, um nome firmado, todo ele conquistado com trabalho e sacrifício.

Fugindo sempre da publicidade, ele nada pede à gente de jornal. Espírito arredio, esconde-se quando vê uma máquina fotográfica. Podem taxar este seu gesto de ‘falsa modéstia’. Não pega. Nestor Tangerini não daria a esse trabalho. Há tanta criatura horrível com a fisionomia, diariamente nos jornais.

NADA TENHO COM ‘GOELA DE PATO’

- ‘Nada tenho com Goela de pato’, disse-nos, ontem, Nestor Tangerini, quando o encontramos no pátio interno do Teatro Recreio.

- O Álvaro Pinto pediu-me uma revista-‘charge’. Escrevi umas coisas e reuni umas outras. Surgiu o título. Agarrei-o. E antes que outro lançasse mão...

- Mas você não tem confiança no que escreveu

- Tenho. Entretanto, tudo depende dos artistas. O que escrevi, nada valerá, se os intérpretes assim o quiserem.

Quando se escreve, tudo é muito bom, muito bonito e de grande efeito.

O diabo é quando o público cisma em contrariar... Por isso, ninguém prevê o sucesso ou o fracasso de uma revista.

Uma ‘situação’ que refutamos de grande comicidade, apresentada em público, não consegue interessar, às vezes, nem o mais benevolente dos espectadores.

Sendo assim, costumo dizer nas vésperas das minha ‘primeiras’: Nada tenho com o espetáculo de amanhã. O sucesso ou o fracasso dependem unicamente dos intérpretes.

Eles continuam a ser os meus melhores parceiros...

Assim, amigo velho, logo mais, quando constatarei o sucesso da ‘Goela de pato’, se de fato houver, não emprestes exclusivamente o meu nome à ‘empresa’. Ele também pertencerá à Aracy Côrtes, a Oscarito, ao Henrique Delfino, a Trudel, à Annita Othero, à Dalva Mattos, ao tenor Abelardo Mattos e aos artistas do elenco da Companhia. Não te esqueças do Floriano Faissal.

Quando me meto no ‘brinquedo’, não quero alegria só para mim’”.

O nascimento de seu primeiro filho, Nirton, no dia 11 de fevereiro daquele ano, além de sua paixão pelo teatro, contribuiu deveras para que Nestor Tangerini continuasse na luta e não desistisse de escrever peças, sonetos, trovas, canções, crônicas, além de registrar seu nome como um grande caricaturista de estilo cubista.

É desse ano o famoso soneto ‘À Dinah’, em que registra a perda do braço esquerdo e o nascimento do seu primeiro filho:

À DINAH

Nasceu Nirtinho, o príncipe encantado,

O filhinho de nossa adoração,

O herdeiro de um paupérrimo reinado

Que tu enriqueceste de ilusão.

Ante meu braço esquerdo decepado,

Com que te apertei muito ao coração,

Todo o teu sonho viste derrocado...

Mas Nirtinho lhe deu ressurreição!

Dizem que, de tão lindo, não tem par,

E, louco por falar, faz grande alarme.

E eu como anseio de o sentir falar!...

Não para ouvir papai, que é tão comum,

Mas, vivinho e curioso, perguntar-me

Por que ele tem dois braços, e eu só um....

O Jornal O Botafogo, p. 3, Rio de Janeiro, 2/3/1940, assim noticiou o acidente:

“Nestor Tangerini, consagrado escritor e filólogo brasileiro, encontrando-se recolhido a um leito do Hospital de Pronto Socorro, em virtude do desastre de ônibus ocorrido a 20 de janeiro último, do que lhe adveio a perda do braço esquerdo, impossibilitado de ver seu filhinho Nirtinho, nascido no dia 11 de fevereiro p.p., escreveu, no próprio leito de dor, este lindo soneto, que dirigiu à sua esposa.”

O soneto à Dinah Marzullo Tangerini foi escrito na Enfermaria Álvaro Ramos, Pronto Socorro, no dia 14/2/1940, depois do acidente, demonstrando que não se entregaria aos revezes da vida e que sua criatividade o acompanharia por mais 30 anos.

A FAMÍLIA TANGERINI SEJA INCLUÍDO NA HISTÓRIA DO TEATRO BRASILEIRO.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 25/09/2020
Reeditado em 25/09/2020
Código do texto: T7071987
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