Paciência

Acontece comigo, e certamente também com outras pessoas, de ter uma música que de vez em quando fica “martelando” na cabeça. E assim do nada, quando percebemos, estamos cantarolando aquela canção. Como diria o poeta, “me pego cantando, sem mais nem porquê”. Às vezes nem gostamos daquele estilo musical. Isso se dá com certos sucessos, que de tão executados, acabam ficando gravados e grudados como chiclete e sendo repetidos inconscientemente (quem não lembra do “assim você me mata, ai se eu te pego”?). Outras vezes é porque nos identificamos mesmo com a música, ou com a letra, e ela passa a nos acompanhar. Ou até, quem sabe, como se estivesse querendo nos ensinar algo.

Durante um bom tempo uma canção de autoria de Lenine – Paciência – me acompanhou. Volta e meia me pegava cantarolando um dos seus versos: “... a gente espera do mundo, o mundo espera de nós, um pouco mais de paciência...” Por coincidência nessa época li um texto publicado na Folha de São Paulo, de Maria Inês Dolci, que só reforçou a lembrança da música do artista pernambucano. Falava a autora em seu escrito do processo de envelhecimento da população e das dificuldades que isso trazia para os idosos, nas suas relações comerciais, por exemplo. A cada dia a moeda de plástico, os cartões de crédito, vão tomando conta nas nossas transações. A tecnologia, em busca de segurança, vai introduzindo os cartões com chips, que exigem que se digite a senha na maquineta, em cada compra realizada. E é aí que os idosos sofrem. Às vezes esquecem das senhas, ou por limitação dos movimentos, são lentos nessa operação, e os vendedores nem sempre são pacientes com essas pessoas. Outras vezes é porque as letras de um cardápio são muito pequenas e a limitação de visão que a idade geralmente traz, dificulta essa leitura. E novamente a impaciência toma conta, geralmente dos atendentes mais jovens, quase sempre mais apressados, até porque têm que atender outras pessoas.

Nas nossas relações com o outro, não é muito diferente. Mal ouvimos o que se diz e já estamos preparando a nossa resposta, independente do entendimento daquilo que o outro está querendo nos passar. Tudo isso só traz desgaste nos relacionamentos. E, em vez de um dia feliz, de harmonia, o stress acaba nos dominando e ainda mais porque quem é mal atendido não deixa isso passar barato, o que só contribui para azedar ainda mais os contatos. Agindo com um pouquinho de empatia, colocando-nos em lugar do outro, talvez o nosso comportamento fosse um pouco diferente.

O grande Paulo Freire já sugeria que fôssemos em nossas ações “pacientemente impacientes”, como também ‘impacientemente pacientes”. Trata-se de um jogo de palavras, mas que encerra muitos ensinamentos. Que tanto pode valer para a orientação do professor, no trato com os seus alunos, como ser extensivo a todos os nossos contatos. Mas parece que apesar de todos os apelos, e até da constatação de que realmente assim é que deveríamos agir, acaba nos faltando paciência, nos mínimos contatos.

Na Bíblia esse termo vem sempre acompanhado da perseverança, e são muitos os exemplos ali citados, passando, entre outros, pelas lições vividas por Jó, Moisés e Davi. “Sede vós também pacientes”, está no livro de Tiago. É o que todos esperam de nós, como diz o poeta.

Fleal
Enviado por Fleal em 06/10/2020
Reeditado em 06/10/2020
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