As flores de ipê

A natureza é assim, sempre nos oferecendo espetáculos e lições. E de graça! Cabe-nos, apenas, sermos bons espectadores e discípulos atentos. São shows para todos os gostos e idades. Na terra, no mar e no ar. Como se não bastassem o nascer e o pôr do sol de todos os dias, as luas cheias que aparecem mensalmente, os voos únicos dos beija-flores e muito mais, temos o florir dos ipês brancos, amarelos, rosas, ainda que a periodicidade do seu show ande um pouco bagunçada, pela ação humana. Em Brasília elas costumam aparecer mais cedo. Em João Pessoa e Campina Grande, lá pelo fim do ano. E assim, pelo Brasil afora, em épocas diversas, nos lugares em que se tem o privilégio da sua presença.

As fotos de jornais e matérias de TV que correm o mundo, mostram ano após ano, em Brasília, o belo espetáculo dos ipês florindo, com a copa toda tomada por flores que se revezam em brancas, amarelas ou róseas, caindo suavemente e formando um lindo tapete no chão, de fazer inveja aos persas. É provável que a vontade de muitos que por ali passam naquele momento, seja a de fotografar aquela cena, como uma amiga candanga que sempre me presenteia com essas aquarelas, ou mesmo de parar por um instante, apenas para contemplar com mais vagar aquele visual único. A correria, que é marca da vida de quase todos nós, acaba impedindo o deleite desses momentos. E ao deixar para o dia seguinte o que poderia ter sido feito naquele instante, pode ter um grande desapontamento. Um vento mais forte, por exemplo, pode se encarregar de derrubar as flores mais rapidamente, encerrando o espetáculo bem antes do tempo que havíamos previsto para voltar a assisti-lo.

E tudo isso porque a senhora natureza é também um pouco abusada. Para o espetáculo que ela dá hoje, não oferece nenhuma garantia de que vai se repetir amanhã. E assim, aquele pôr do sol que você tem a oportunidade (e perde) de ver num dia, porque o céu está lindo, quase sem nuvens, amanhã pode estar escondido por um mau tempo. O mesmo pode acontecer com o dia combinado para o lual: só de birra, a lua também pode querer brincar de esconde-esconde e lá se vai o romantismo dos apaixonados. E aí, nada mais apropriado quando se lida com a natureza e os seus caprichos, do que o uso da expressão latina “carpe diem”, extraída de um poema do romano Horácio, cujo verso completo diz: “colha o dia, confia o mínimo no amanhã”. Aproveite o dia! – é a síntese do poema.

Associo tudo isso a uma conversa que tive com um amigo na antessala de um consultório médico, quando meu pai ainda era vivo. Comentávamos sobre os pais idosos que tínhamos – ambos quase noventões - e a felicidade de tê-los. Melhor ainda, com a graça de poder conviver com eles ainda muito lúcidos e com a relativa saúde que o longo tempo de vida lhes permitia. Falava-me de uma irmã que morava fora, e que em vez de vir visitá-lo naquele início de ano, pensava em postergar a viagem para o mês junino. E ele, por estar mais por perto e acompanhar a rotina do velhinho, sugeriu que ela viesse naquela ocasião. Que aproveitasse o momento. É que nessa idade o ser humano só tem perdas. A cada dia que passa é algo mais do vigor, da vitalidade, da lucidez, que vão ficando para trás. “Cada minuto de vida nunca é mais, é sempre menos”, já nos ensinava o poeta Cassiano Ricardo.

O espetáculo da florada dos ipês mostra isso. Amanhã a paisagem poderá ser outra, bem diferente da imaginada. Daí os versos de Drummond: “o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”. Aproveitemos, então, o momento.

Fleal
Enviado por Fleal em 13/10/2020
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