Democracia e vida: invasão dia 6, 200 mil dia 7

Nos anos 1970 o Joãozinho inicialmente pensava que era "americano", cidadão dos Estados Unidos e que a Colônia era uma cidade. Era o que a TV e o cotidiano me informavam: americano da Colônia. Qual não foi minha surpresa, com o tempo, ao descobrir que não era do país do Elvis, mas sim do Zico - viva o futebol e a seleção brasileira como construtores da identidade nacional - ? E que a Colônia era um bairro de Charqueadas, que ficava no Brasil? E que os "americanos" eram na verdade estadunidenses e falavam inglês, eis que os filmes eram dublados? E que o meu país se situava num continente chamado América do Sul ou América Latina? Em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e Bicho Papão ainda levei mais um tempo até igualmente perder a inocência sobre eles. Todavia, aprendi pela experiência que somos muito ligados aos Estados Unidos por aqui.

Assim, semana passada foi trágica para quem defende a vida e a democracia neste planeta. Na quarta-feira, dia 6, o Capitólio, símbolo e templo da democracia nos Estados Unidos, recebeu uma invasão sem precedentes feita por partidários do presidente republicano Donald Trump - derrotado nas últimas eleições -. como forma de protesto, alegando fraudes não reconhecidas pela Justiça do país. A invasão ocorreu quando os parlamentares ratificariam o resultado da eleição. No Brasil, na quinta-feira, dia 7, foi a vida a sofrer duro golpe: a triste marca de 200 mil mortes oficiais por Covid-19 foi atingida.

Brasil e Estados Unidos vivem um momento semelhante, pois possuem presidentes de extrema-direita negacionistas no cargo e são campeões mundiais em óbitos nessa pandemia. Logo, nos dois países urge a luta pela vida e pela democracia, embora nos Estados Unidos as instituições democráticas sejam fortes, visto que a democracia é um valor e um princípio de nação para aquele povo, ao contrário do Brasil, onde é apenas um processo de escolha e as instituições estão por demais desacreditadas (1). O fato é que, então, o "Efeito Orloff" - os EUA seriam o Brasil amanhã - pode nos atingir em 2022, ou seja, uma crise política grave, dependendo do resultado da eleição presidencial, se negativo à reeleição do atual mandatário da República. Só que, aqui, pela frágil democracia, o resultado poderia ser catastrófico, gerando retrocessos impensáveis desde o fim da Ditadura Militar.

Já na questão da pandemia Estados Unidos e Brasil vivem situação muito parecida, embora os gringos já tenham iniciado sua vacinação dia 14 de dezembro. Pretendiam vacinar 20 milhões de pessoas até o final de 2020, mas só conseguiram atingir 6 milhões até o momento, quando o país soma 316 mil óbitos. Problemas graves de logística e, pasmem, até sabotagem são noticiados. E, nesse ritmo, o país, na quinta-feira, dia 7, ultrapassou a marca de 4 mil mortes por Covid-19 em 24 horas. Foi o mesmo dia 7 em que o Brasil notificou 1.841 mil óbitos (um recorde, conforme dados da Conass/UOL) e superou o número de lamentáveis 200 mil vítimas fatais desde 12 de março de 2020. Aqui, no que parece uma disputa antecipada de 2022, o governador de São Paulo já havia anunciado o início da vacinação no estado para 25 de janeiro, com a polêmica "vacina chinesa", em parceria com o Instituto Butantan, que apresentou eficácia de 78%. O que ocorreu? O governo federal comprou milhões de doses da mesma vacina e anunciou que começaria dia 20 a imunização no país. Como não conta com seringas suficientes, tentou requisitar as de São Paulo, no que foi desautorizado pelo STF. Agora parece que a Anvisa pede mais documentos para a análise da vacina chinesa, antes de liberá-la.

Devemos esperar, nós que torcemos pela vida, que a eficiência na vacinação melhore nos Estados Unidos e que, no Brasil, a campanha comece dias 20 e 25 e seja satisfatória, aproveitando a estrutura do SUS já utilizada em anos anteriores - a sobrevivência das pessoas dos grupos de risco agradece. No tocante à democracia, os "americanos" parecem já terem resolvido os seus problemas, enquanto por aqui o presidente ainda diz ter sido lesado em 2018 e ameaçou trumpianamente que, se em 2022 o país não retornar ao voto impresso, podemos realmente ter problemas - aliás, foi um dos poucos presidentes no mundo a ficar do lado de Trump na intentona da invasão. Base social para isso ainda possuí, com as pesquisas incrivelmente ainda indicando cerca de um terço de aprovação ao seu governo, sustentado politicamente por grupos religiosos, políticos, econômicos e militares. Assim como Trump, sofre forte resistência da grande imprensa e uma aliança de partidos de direita, centro e esquerda começa a se alinhavar, contra o governo, na eleição para a Câmara dos Deputados.

É o quadro. Esperamos que as semelhanças entre EUA e Brasil não sejam as mórbidas, mas sim as pró vida e democracia.




(1) - Essa percepção é de Thiago de Aragão, sociólogo brasileiro radicado nos Estados Unidos - Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Johns Hopkins -, que fez uma análise comparativa dos eventos de 6 de janeiro nos EUA em relação ao Brasil em live no canal do You Tube Buenas ideias, do jornalista e historiador gaúcho Eduardo "Peninha" Bueno. Sugiro assistir a live, esclarecedora.