O jeito de caminhar

A idade me levou a ser regular na atividade física referendada por recomendação médica, tanto para o controle das taxas vitais, como para a socialização com o mundo. Além da musculação orientada por profissionais, revezo-me em caminhadas, corridas e pedaladas, ao longo dos dias da semana, trocando apenas as companhias de acordo com as especificidades de cada atividade. A caminhada, por exemplo, permite mais a conversa, exigindo quem é chegado na prosa. O papo da corrida é breve, se dá antes da largada, uma vez que o fone de ouvido e a concentração para alcançar o tempo estipulado como meta não permitem muitos diálogos. Já na pedalada, mesmo com acompanhante, só nas paradas para descanso rola algum lero. Aqui a culpa é mais minha pois, aprendiz tardio desse ofício, não manejo bem o pedalar e o conversar ao mesmo tempo.

Nas conversas iniciais é claro que, en passant, se fala em pandemia, desgoverno, mas por serem assuntos que não prenunciam um bom dia, na medida do possível são deixados de lado, pois nada justifica sair cedo da cama para amargar esses papos. O que predomina mesmo é o humor e ainda mais quando surge algum mestre nessa arte ao longo do trajeto.

Os tipos de caminhantes variam desde aquela médica geriatra que faz na pista, diariamente, o que recomenda aos seus pacientes no consultório, até os que passam por ali, quase sem compromisso, pelo prazer do encontro com o benefício do sol da manhã que o corpo tanto precisa. Entre os companheiros habituais, a parelha mais constante tem a mania de, além de observar as construções e dar aulas sobre os seus estilos, também mostrar a diferença que fazem as lanternas num carro vermelho, no sentido de compor a unidade visual do carro. Tudo no conforme do dizer de Jessier Quirino: “ainda sobra um pra tocar gaita”.

Associado ao que se vê, ainda dá para identificar vários estilos de conversar no caminhar das pessoas. Há por exemplo aquelas que caminham e conversam no estilo ”político em época de eleições”. A todos cumprimenta, mesmo que não façam parte do seu rol de conhecidos, dedica um dedinho de prosa a mais a outros (como se mais votos tivessem para ajudar em sua escolha) e o sorriso que não sai do rosto, como se fosse uma máscara simuladora de riso, dessas que protegem contra a Covid.

Há também aqueles que nem olham pro lado. Muitos com um fone no ouvido, escutando sei lá o quê, além da cara de quem “tem poucos, raros amigos” como diria o poeta, como se estivessem a fugir de qualquer abordagem, sem dar margem a um mínimo de prosa.

E há também o estilo que foi identificado por um amigo, Rangel, que é o que ele chama de “pessoa que caminha como se estivesse procurando endereço”. E essa informação não veio à toa. Caminhávamos juntos, por um bom pedaço eu, ele e sua esposa. Ao perceber a minha necessidade de andar mais rápido, ele sugeriu que eu fosse na frente, pois o passo dela era o de quem caminha procurando endereço e assim retardaria o meu compromisso. E como é esse caminhar? Anda devagar, olhando de um lado pro outro, a tudo observa como se estivesse procurando uma placa com o nome da rua e, a cada conhecido que passa, para e conversa um pouco, como quem busca informações sobre a sua localização correta. E assim são os estilos. E o seu, como é?

Fleal
Enviado por Fleal em 12/01/2021
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