A lei da vantagem

E não é que, quarenta e cinco anos depois, a famosa Lei de Gérson voltou à cena com força total? Para quem chegou agora a tal lei instalou-se, de forma consuetudinária, sem passar por nenhuma casa legislativa, a partir de um comercial de tabaco feito pelo jogador Gerson, da famosa seleção canarinho de 1970, a do tricampeonato mundial de futebol, em que finalizava a propaganda convidando as pessoas a fumarem o cigarro (Vila Rica, lembra?), pois era mais barato que as marcas similares, e concluía o seu chamamento com o célebre dizer “gosto de levar vantagem em tudo, certo?”. E, de todo o comercial, tudo o que restou foi a frase que atravessou o tempo e gerações. Com isso a tal lei pegou, mesmo não estando em nenhum Vade Mécum, diferente de muitas outras que lá estão, após terem passado por todos os trâmites exigidos e que acabam como motivo de caçoada no rol das “leis que não pegaram”. E isso apesar dos protestos do jogador, uma vez que o seu nome passou a ser associado a quem gosta de falcatruas, o que não era o caso do atleta. Como ele bem disse, apenas foi um ator lendo o texto do roteirista, e a vantagem a que se referia era o preço menor da marca que ele propagava. Outros atores também estrelaram o comercial, mas o nome de Gérson, talvez por ser o mais conhecido, cognominou a “lei”.

É bem verdade que essa “lei” nunca cai em desuso, afinal pessoas sem princípios sólidos, corretos, estão presentes em todo o tempo e lugar. Mas a volta do famigerado dispositivo se dá no momento em que as vacinas contra a Covid-19, apesar do esforço contrário de alguns, começam a chegar ao Brasil e com isso pipocam os casos de fura-filas, pessoas que gostam de levar vantagem em tudo, roubando o direito dos que efetivamente teriam que ser vacinados com precedência. Para ilustrar a escassez do produto, até agora o único que pode agir para dar fim à pandemia, as notícias de jornal até invocam filmes e a Escolha de Sofia, filme americano de 1983 que deu a Meryl Streep o Oscar de melhor atriz, é um dos mais citados. Tal qual Sofia que teria uma escolha atroz a fazer, o que lhe perseguiu por toda a vida, as autoridades da saúde também têm que fazer essa opção entre os profissionais da área, que estão na chamada linha de frente de combate ao coronavírus, que deverão ser vacinados de primeira. Enquanto isso, os que gostam de levar vantagem arranjam um jeitinho de burlar essa agenda e ainda postam nas redes sociais publicizando a sua tétrica façanha.

Mas, como nos filmes de mocinho e bandido, também tem os do lado do bem. E aqui eu registro uma dessas personagens que vem lá de Rio das Flores, no sul fluminense. Seu nome, Hilda Cândida, idade 108 anos. Mesmo estando na lista das prioridades (e ela seria a primeira a ser vacinada em sua cidade), ela rejeitou a vacina. Não por medo, nem por fazer parte de algum movimento antivacina, mas por generosidade, que ela considera um dos valores mais importantes do ser humano. Veja o que ela diz: “Eu já vivi tanta coisa nessa vida, com quase 109 anos, que prefiro dar a vacina para alguém mais novo do que eu”.

E assim é o ser humano, verso e reverso, cara e coroa. Uns sugam, outros aspergem. Miremos então nos bons exemplos, assim será melhor para todos nós. E vida mais longa ainda para D. Hilda Cândida para que possa continuar ensinando às gerações a partir do seu magnânimo gesto.

Fleal
Enviado por Fleal em 26/01/2021
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