Eu vi...

Uma galinha, amontoada dentro de uma caixa de tom cinza com outras tantas de sua espécie, empreendeu esforços, talvez, buscando um ar mais puro para respirar, e conseguiu projetar o bico através de uma pequena abertura existente na lateral daquele cubículo em que estava. E eu vi quando um jovem se aproximou e começou a acariciá-la, de forma bem espontânea. Prontamente, a reação daquela ave, possivelmente tomada por uma espécie de êxtase, foi a de se recostar, cerrar os olhos e se deleitar naquele momento, como a dormir em um berço esplêndido.

Aquela caixa era uma dentre centenas delas que compunham a carga de um caminhão bi-truck granjeiro com destino a um abatedouro.

Talvez, aquela tenha sido a única oportunidade em que a ave recebeu algum carinho de um humano. E, ao mesmo tempo, pode ter sido a última.

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No logradouro de uma viela, via-se apenas o rosto de um garoto, através de uma abertura equivalente às dimensões de um tijolo furado, em uma parede inacabada de uma sacada. Ele estava acorrentado pela cintura e nos membros superiores e inferiores, totalmente despido e só, dentro de um reservatório de metal, uma espécie de tambor, em um dia de intenso calor, rodeado de excrementos sólidos e fluídos, que ele próprio expelira, e sob um forte mau odor que impregnava aquele cafofo nada fofo. O garotinho não tinha como, sequer, tal qual a galinha, recostar-se, cerrar os olhos e dormir. As circunstâncias encaixapantes não lhe eram favoráveis para que pudesse alcançar essa disposição para o sono.

Eu pude ver, também, quando policiais chegaram com suas ferramentas não bélicas e o resgataram de seus próprios familiares.

Talvez, aquela oportunidade tenha sido inédita, a primeira em que aquela criança tenha recebido algum carinho de humanos. Que não seja a última!

Na verdade, há por aí muito para se ver, mas nós, geralmente, só olhamos e nada vemos; e seguimos...