Uma história de amor

Tem pessoas que mal a gente conhece e, de cara, já se encanta com elas. Com licença do parentesco, não posso esconder que meu pai era assim. Seu jeito de conversar, de contar histórias, de dizer uma palavra de cortesia, conquistava de pronto os seus interlocutores. As lembranças dele são ainda muito fortes e, recentemente, foram avivadas pela oportunidade que tive de conhecer “seu” Júlio, que com seu jeito simpático muito me fez lembrar dele.

Deixe-me apresentá-lo: ele tem quase 80, cabelos de neve e um bom humor de fazer inveja. É baiano, e com muito orgulho torcedor do Bahia, o grande tricolor de aço. Além dessa afinidade clubística, é também, assim como eu, leitor regular de Danuza Leão. As suas crônicas deram muito assunto para as nossas conversas.

Foi o acaso que nos aproximou. Ele veio a João Pessoa, algum tempo atrás, com um grande amigo de infância – Carlinhos – acompanhando uma delegação de jovens para disputar um campeonato de remo, aqui na praia do Jacaré. Ao ser apresentado a ele, procurei me aproximar. Agrada-me conversar com pessoas mais velhas, e depois da perda do meu pai, isso se acentuou ainda mais. Certamente que há uma explicação psicológica para isso, mas não é o caso de procurá-la. Falou-me da sua família, incluindo filhos e netos, até chegar em sua esposa, Tereza. Sentados estávamos assistindo a uma chegada das provas da competição, quando lhe veio a lembrança de que, em quase todas as viagens que ele fazia como dirigente do clube São Salvador, acompanhando a delegação, ela estava com ele. Notei a sua voz embargar e o marejamento dos olhos. Havia ficado viúvo cinco anos atrás e a forma emocionada como ele se referia a ela, parecia que o passamento era coisa bem mais recente. Viveram juntos 47 anos e já começavam a se preparar para as bodas de ouro, que ele queria uma grande festa, e ela era mais favorável a uma viagem. Para não haver discórdia, ele combinou que fariam a festa e logo em seguida viajariam. É claro que ela concordou, mas deixou escapar um comentário: - Tem dinheiro escondido, não é Júlio?”

No decorrer da conversa ele revelou algo que me marcou: “- Fernando, eu sofri muito quando perdi meu pai, quando minha mãe se foi, nem se fala, mas nenhuma dessas perdas foi tão dura pra mim, como a da minha esposa. Como ela me faz falta!” E parou de falar, olhando para o mar em frente, como se estivesse mesmo interessado na chegada dos barcos. Respeitei o seu momentâneo silêncio e deduzi que aquele olhar distante estava à procura da sua Tereza.

Esse episódio me marcou tanto que não resisti em contar a vários amigos e amigas no decorrer da semana. Às vezes a gente pensa que essas histórias de amor acontecem apenas em filmes, como O diário de uma paixão, que por sinal revi recentemente, com as mesmas lágrimas derramadas de quando o assisti pela primeira vez.

Numa época em que as pessoas casam e descasam rapidamente, e que até festa de separação já começam a ser organizadas, nada como a história de “seu” Júlio e de Dona Tereza, para nos indicar que o amor existe sim, e que vale a pena envelhecer juntos.

Fleal
Enviado por Fleal em 09/02/2021
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