O calcanhar de Aquiles

Aquiles é um dos muitos heróis da mitologia grega, cuja estória é contada por Homero na Ilíada, em sua narrativa da Guerra de Tróia.

Diz a lenda que Aquiles, ao nascer, foi mergulhado pela mãe num rio milagroso, com o propósito de torná-lo invulnerável. Como estava seguro pelo calcanhar, todo o seu corpo foi banhado com a água, exceto aquela parte em que o sustentava, que ficou desprotegida. Num dos muitos combates que participou, teve justamente o calcanhar atingido por uma flecha envenenada, o que causou a sua morte. Vem daí a expressão “calcanhar de Aquiles”, para indicar a fragilidade de uma pessoa, o seu ponto vulnerável. O filme Tróia, de 2004, do diretor alemão Wolfgang Peterson, reproduz essa cena, com Brad Pitt no papel do guerreiro Aquiles.

Reporto-me a essa lenda levado pelos muitos escândalos que estouram quase diariamente no país. Impossível não acompanhá-los, já que as emissoras de TV dedicam, em seus noticiários, um grande espaço na cobertura desses fatos. E por mais que se pense que eles chegaram ao fim, que se alcançou o fundo do poço em termos de falcatruas, surgem outros, em dimensões ainda maiores que aquelas até então denunciadas.

E o que tem Aquiles a ver com isso? Explico. Tal qual o desejo de Tétis (esse era o nome da mãe dele), todos os que têm filhos sempre pensam em protegê-los. O desejo de muitos certamente que seria a invulnerabilidade física, para livrá-los de todos os males da carne. Não podendo ser desta forma, a suprema glória é conseguir para eles a fortaleza de caráter.

Na formação dos filhos, sempre se pensa em oferecer o melhor, procurando dar tudo aquilo que não se teve na infância/adolescência, por imaginar que agindo assim eles se tornarão invulneráveis às frustrações sentidas pelos pais. Muitas vezes perde-se com isso, já que não se estabelece bem o limite para essas concessões. E as consequências, quase sempre desastrosas, vêm mais tarde. Ou seja: na tentativa de acertar, acaba-se errando feio.

Mas tem algo que é possível oferecer, para fortalecê-los, e que não tem ônus financeiro: é a formação do caráter. Do mesmo modo que a mãe protetora de Aquiles queria livrá-lo da morte, com aquele banho no rio, também é desejo de muitos pais que seus filhos sejam banhados nas águas da retidão. Infelizmente não dá para, de uma só vez, mergulhar essa criança em águas que a tornarão firme no caráter. Esses banhos devem ser constantes, ao longo do seu crescimento e formação. Em geral são os pequenos mergulhos que darão essa consistência ao caráter das pessoas.

E essas imersões vêm em forma de coisas simples, mas que se tornam significativas. É um troco a mais que se recebe e devolve; é uma conta a menor apresentada num restaurante que é acusada e solicitada a sua correção; é o evitar de carteiradas do tipo “sabe com quem está falando?”; é o respeito à vez do outro nas filas; é o uso de máscara pensando no bem estar do outro, é a obediência à lei e, portanto, não beber se vai dirigir; e por aí vai. Tudo isso à vista dos filhos.

Todos esses mergulhos nas águas da retidão vão formando o cidadão, tornando-o resistente aos muitos assédios que levam à perdição, representado pelas facilidades do que passa pela porta larga, a que se refere o evangelista.

E, pelo exemplo que será dado, que seja outro o “calcanhar de Aquiles” dos nossos filhos. Nunca a fragilidade de caráter.

Fleal
Enviado por Fleal em 23/02/2021
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