Fé no homem

Quem foi que disse que tudo está perdido? Não é porque só aparecem noticias ruins nos noticiários, que a gente vai perder de vez a esperança no ser humano. Como dizia Gonzaguinha, “fé na vida, fé no homem, fé no que virá...” . Mas, como parece que só notícia ruim dá audiência, os editores de rádio, jornal ou televisão, abusam delas em seus veículos. São comuns as escaladas nos telejornais em que a tal síntese de notícias é composta de histórias de bandidagem como assassinatos, assaltos, “rachadinhas”, drogas e roubalheiras diversas. Ultimamente a pandemia e as suas piores consequências ocuparam esse lugar. Mas, em meio a esse mar de tragédias, algumas emissoras, de vez em quando, tentam aliviar, fazendo um contraponto, apresentando, por exemplo, casos de pessoas que encontram e devolvem carteiras, ou pacotes de dinheiro perdido, dando a impressão de que o que deveria ser regra torna-se exceção, um fato inusitado. Menos mal que seja assim.

Mas o que houve que me fez renovar a esperança nas pessoas, você deve estar se perguntando. O fato não é de hoje, mas o registro é sempre atual. Estava indo ao médico um tempo desses, (passeios que passam a ser mais frequentes depois de certa idade) bem antes da Uberização e, já na Ruy Carneiro, resolvi pegar um taxi. Como muitos deles são ligados a um serviço que opera por rádio, não foi fácil achar um carro rodando de bobeira, em busca de passageiros. Depois de fazer sinal com a mão para uns três, sem sucesso, vi à minha direita um rapaz saindo do seu prédio, de carro. Ele aguardava que algum motorista aliviasse para poder entrar na via e viu a minha agonia, em busca de uma condução. De repente eu o ouço perguntar: “ Vai pra onde? “ E, ao responder o meu itinerário, ele não hesitou em me convidar para pegar a carona com ele.

Esse convite me reportou à segunda metade da década de 70. Era estudante de Economia e morava em Jaguaribe. Todos os dias, à noite, saia caminhando de casa para o ponto de ônibus na Pedro II, bem próximo ao Hemocentro. O pensamento era de tomar o ônibus. Mas era o mais raro que acontecia, pois sempre parava alguém para nos dar um “bigu”. E nem era preciso pedir: as pessoas tinham a disposição de oferecer a carona.

Não duvido que, ao contar em casa o que fez, esse rapaz (Bruno é o nome dele) tenha levado uma reprimenda da esposa ou de algum dos seus familiares. E a tônica deve ter sido a mesma: “- Você é maluco de dar carona a uma pessoa estranha? E se fosse um bandido?” Meu pai, o saudoso Euclides, se fosse vivo, ao ser confrontado com algo parecido, certamente diria: “ - De longe você conhece uma pessoa de bem.” E acho que Bruno agiu pela intuição Euclidiana.

E dali, do final da Ruy Carneiro, próximo à Tábua de Carne, até o Grupamento de Engenharia, tempo que levou o meu trajeto, deu tempo para conversamos sobre família, educação de filhos, disponibilidade para eles e exercícios físicos. Agradeci e fui embora, com essa boa lembrança de tempos atrás e também com a agradável sensação de que existem pessoas boas que confiam e acreditam no ser humano, apesar de tudo.

É provável que nunca mais eu cruze com Bruno pela vida a fora, a sua fisionomia há muito que me fugiu da memória. Mas ele faz parte das minhas boas lembranças, que ficam aqui registradas.

Fleal
Enviado por Fleal em 16/03/2021
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