A sinceridade na Páscoa

          Nos tempos de menino, espichando o assunto muito para trás, já havia o mês de abril e, logicamente, o 1º de abril, que ocorreu ontem, precisamente o primeiro dia depois do fim de março. Nós que nascemos nesse mês, estranhamos a escolha desse dia para se dedicar à mentira, quando mentir acontece em todos os dias e meses; coisa odiosa e odienta; detestável e execrável. Abunda, sobretudo porque há pessoas que odeiam, não têm em si mesma o que oportuna a Páscoa como ocasião de amor e solidariedade, até aos que não têm fé. Os que odeiam, tendo isso como élan de vida, mentem; usam a mentira como sua principal arma; os revólveres, fuzis e punhais são secundários.
         E, na invidia, ou vulgarmente na inveja, essas armas são indispensáveis. Já disse, em outras crônicas, e não paro de definir que sente inveja aquela ou aquele que, ao olhar o outro, compara-se: ele ou ela é, e eu não sou; ele ou ela tem, e eu não tenho. Ao mesmo tempo, sente-se incapaz de ser e de ter o que o outro espontaneamente é e tem. Enfim, geralmente, quem odeia mente e quem mente odeia. Para se proteger, afaste-se de quem odeia, e assim será menos atingido por suas mentiras.
          A Páscoa é uma festa da fé, portanto, da sinceridade;  como é que essa comemoração se relaciona, contrariamente, à mentira? Porque a mentira é substancialmente consequência da insinceridade; as mentirosas e os mentirosos são essencialmente insinceros. Nesse aspecto, distingo a mentira da ‘não-verdade’. A não-verdade pode ser dita sinceramente; mas a mentira jamais será pronunciada por uma mente ou por uma boca com sinceridade. Quem mente sabe e manipula tudo ou que, intencionalmente, seja dito ou lido para se beneficiar ou prejudicar, para enganar alguém. Isso ocorre demasiadamente nas disputas ou concorrências do dia a dia do trabalho, das profissões ou das eventuais funções que se exerçam, em qualquer das mais respeitáveis instituições.
          Sempre houve um provérbio de que “a mentira tem perna curta”... Isto quer dizer que logo se descobre sua inveracidade. Principal e costumeiramente, conhece-se individualmente quem “gosta de mentir”, de não ser sincero. O hábito de não mentir dá crédito a ser, socialmente, considerado veraz, exatamente na fala possuidora de veridicidade. De modo geral, o mundo político, infelizmente, possui no seu antro ou no seu âmago, personagens que, cinicamente, avantajam-se porque mentem, porque não são sinceras; objetivamente trata-se de um prêmio ou de um ganho injusto. Cometerei a delicadeza de deixar ao leitor discernir quem são as mentirosas , quem são os mentirosos; não havendo escassez, é, portanto, tarefa fácil. Há uma enorme abundância de mentirosas e mentirosos nas redes sociais, nos chats, nos WhatsApps da vida. Menos nos e-mails, o que dificulta o anonimato e a responsabilidade de crime.
          Poderia, nessa Páscoa, refletir sobre assuntos tradicionais, como o de jejuar, poder comer carne ou recorrer a uma cultural e receitária peixada. Mas, antes disso, preferi sugerir meios para que se evitem perniciosas imposturas hipócritas, sob o manto da mentira, sugeridas aos nossos olhos e aos nossos ouvidos. Antes da Páscoa, Jesus foi perseguido pelos mentirosos fariseus e saduceus, e por eles levados à crucificação. É o que posso fazer, escrever, na missão social que cabe ao cronista, num tempo, em que a insinceridade ganha em vários terrenos, tentando sufocar a sinceridade e a fé que podemos consagrar ao divino. O que fazer? O que o leitor pode fazer ou o que podemos fazer, além de sermos sinceros?   


Destaque: Para se proteger, afaste-se de quem odeia, e assim será menos atingido por suas mentiras.