Tem que dar show

Conviver com o outro, seja parente, amigo ou colega de trabalho, não é tarefa das mais simples. Essa dificuldade observada nos relacionamentos mais próximos é ampliada, significativamente, quando se estende à convivência com o ser humano, sem a proximidade afetiva. As pessoas vão se juntando e as rusgas aparecendo, reforçando a máxima de Caetano que “de perto, ninguém é normal”.

Tudo isso fica bem evidenciado a partir de um estudo publicado em 1996, patrocinado pela Unesco e capitaneado por Jacques Delors, partindo da encomenda de identificar os pontos que seriam mais importantes enfatizar na formação das pessoas no século XXI, que estava às portas. Dentre os pilares que formariam a base dessa nova educação, um deles, o aprender a viver juntos, aprender a conviver, já vinha com a observação de que seria o mais difícil a ser edificado. E a realidade mostra isso: basta assistir a um programa de televisão ou ler um jornal, para se comprovar esse fato. Por mais que os apelos em favor da paz se multipliquem, a insensatez do ser humano o tem empurrado para o conflito.

É claro que num convívio próximo, nas condições normais, a tendência natural é que as pessoas desejem viver em paz. Ninguém, em sã consciência, quer viver se digladiando em suas relações familiares, de amizade, ou de trabalho. Até porque se gasta muita energia nesses conflitos e, com certeza, não faz bem à saúde de ninguém, viver em pé de guerra. Mas a realidade é assim, e já foi descrita em versos, pelo poeta: “a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”.

Observar os relacionamentos, a forma como as pessoas convivem umas com as outras é uma fonte inesgotável de aprendizados. Do mesmo jeito que você encontra aqueles que são verdadeiros mestres nas relações interpessoais, encontra também os que são como uma verdadeira bomba, prestes a explodir.

O fato relevante em tudo isso é que, com todas as dificuldades de absorção das pessoas no mercado de trabalho, embora a capacidade técnica continue a ser valorizada e requisitada, os empregadores observam muito esse lado relacional das pessoas, na sua convivência com o outro. A diferença tão procurada que vai determinar a contratação ou não de alguém, tem que ser encontrada por esse lado, já que tecnicamente essas competências tendem a se igualar.

Lembro de uma palestra algum tempo atrás com um empresário gaúcho, Eduardo Tevah, em que ele fazia referência a uma nova forma de pedinte, que começou a aparecer nos semáforos, pelo país afora: jovens que fazem malabarismos com bolas, espadas, fogo, cada um deles mais espetacular que o outro. Tudo isso num espaço rápido de segundos, para ainda aproveitar os carros parados e pedir uns trocados à plateia compulsória. A conclusão a que ele chegou: “hoje em dia, até para ganhar esmola, a pessoa tem que dar show”.

O interessante é que a todo instante há uma plateia silenciosa assistindo à nossa performance, nesse espetáculo que tem como enredo as relações interpessoais. Será que ela pagaria pelo nosso show?

Fleal
Enviado por Fleal em 04/05/2021
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