Strato.

Bom,era uma maldita tarde de quarta-feira.O calor era imperdoável, as ruas de Itaquera estavam abarrotadas.Abarrotadas de pessoas,mas não de humanos.

Deus!Era apenas mais um maldito dia sem muita coisa a fazer.Eu apenas lembrava de querer bastante beber uma loira gelada,mas os meus bolsos estavam vazios.

Diabo!O sol estava quente.Eu passei por um ou dois bares,mas nada feito. Passei pelo parques de diversões, mas eu não estava me divertindo .Itaquera é um bairro diferente de São Miguel. Não sei lhe dizer tecnicamente, apenas sinto que as ruas e as pontes são mais complexas, mas esse bairro também tem a famosa decadência. A diferença é que a favela ficava frente a frente com o imenso shopping center. O lixo e o luxo, tudo misturado.

Outra diferença(mais existencialista, assim dizendo)é que ninguém me conhece nesse maldito bairro, diferente de São Miguel. Era um sentimento besta ,mas estranho, já que fico muito tempo perambulando do meu bairro natal.

Passei por algumas ruas e vielas, vi uma ou duas garotas andando, com as suas lindas e malditas juventude." Deus",pensei eu, "Nunca me senti tão velho nesses últimos 2 anos". De alguma forma, eu,com os meus 26 anos, já sentia a minha juventude indo embora e pior: tendo aquela sensação de que nunca REALMENTE vivi.

Umas delas é uma ninfeta de 18 anos, com um puta traseiro moreno, o shorts era tão curto que dava pra ver as as bochecas do traseiro. Ela passou por mim, com o seu corpo gigante, e eu não consegui me conter e olhei praquele traseiro rebolando pra cá e pra lá. A guria vomitava e cagava sexo.

"Esquece, meu amigo",falei pra mim mesmo,com o rosto suado,"Você pode até ter uma boa voz,mas não é nenhum Jim Morrison".

Não.Não é nenhum Jim Morrison. Ele, com a minha idade, já estava trepando pra valer e quase pensando em se casar com aquela loira hippie maravilhosa. Já tinha lançado vários discos fodásticos junto com o The Doors .Sem falar que estava pensando em ir para Paris, pra encher a cara de vinho, lançar o seu livro de poemas e visitar o túmulo de Oscar Wilde.

De qualquer forma, eu tinha chegado ao meu destino. No começo da avenida d,quase ao lado do mercado dia, estava a casinha do meu luthier de 3 em 3 anos. Eu toquei a campainha, ele me reconheceu e era o mesmo cara de antes: sujeito magro, cabelo curto, olhos grandes e uma voz rouca e timidamente desafinada.

Abriu o portão e me colocou dentro do escritório dele, que era o lugar onde ele dava aula e consertava os instrumentos.

Eu já tinha pagado tudo, só faltava ter a minha strato de volta. Ele pegou ela e mostrou pra mim. Ela estava linda, sofisticada e limpinha.Sem nenhum tipo de trastes quebrado,nem poeira ou teia de aranha.

-Você foi muito cruel com ela.

Disse o ele,com os seus olhos grandes e atentos.

Olhei com certa vergonha pro sujeito. Sei que todo luthier odeia um sujeito que não sabe cuidar do seu próprio instrumento.

-Sim, é que já faz um bom tempo em que não toco num bar ou pub. Então ela ficou empoeirada e sozinha.

-Mas isso não é desculpa.

Falou os olhos de moscas, com a razão junto com ele, pois de fato isso não era desculpa.

Antes de ele ter regulado e aprimorado a minha strato sonic x, ela era a face de minha pessoa: era descuidada, largada pelo mundo e muito desleixada. Verdade seja dita: a gente andava pra lá e pra cá, tocando em qualquer ninho de rato. Por um tempo, eu, com a minha ingenuidade, achava que o sucesso estava me procurando. Só que, é claro, essa ilusão meio que morreu, com várias apresentações vazias, onde eu não ganhava nem uma latinha de Brahma como cachê.

"Você é bom, garoto. Por hora não vai ganhar dinheiro,mas vai ter vários fãs e garotas bonitas gostando de suas canções"

era o que um ou dois fdp falavam pra mim.

De fato, vida de músico é dura, mas tudo bem, ninguém pediu pra eu entrar nesse circo.

Pluguei a guitarra, toquei ela,senti aquelas cordas novas me banhando de prazer,enquanto o meu "salvador" falava dos upgrades que deu da minha sonic x:renovou os trastes, tirou a sujeira, deu uma nova regulagem para que a guitarra receba com muita suavidade cordas 0.9.Toquei alguma coisa meio Chuck Berry,mastigando um blue note, enquanto ele falava sobre o quanto a minha mão era pesada para tocar em uma corda 0.9. Quando ele me via tocar,sempre falava isso e terminava com as mesmas frases de conforto...

"...mas tudo bem. O Jimi Hendrix também tinha uma mão pesada".

Cumprimentei o sujeito, coloquei a minha guitarra do meu estojo e fui embora. Peguei o jardim robru e novamente entrei naquele maldito aroma de esgoto e tristeza: a minha querida a

Avenida Nordestina.

Antes do Assai, sempre tem aquele esgoto aberto. Porra, uma vez eu andei com uma gatinha manhosa e ela olhou praquele rio e disse...

"Caralho! Parece que esse rio tem um cu no tamanho de um elefante"...

era uma baboseira, mas eu ficava rindo. Achava engraçado uma loirinha com cara de Cinderela falando palavras como "caralho" e "cu".Sim,sim...éramos belos e idiotas.

Quando cheguei em minha casa, novamente, e felizmente, não tinha ninguém, além da minha querida litleblack. Ela me viu abrindo a porta, olhou pra mim com seus olhos de coruja e deu aquele típico miado meloso. Ela me ama? Não sei, mas ela necessitava de mim, já que o pratinho dela estava vazio.

Coloquei comida pra ela e pro Mel ,e fui pro meu quarto. Na minha cama, tinha os lençóis bagunçados, e um triste aroma de vômito misturado com vinho. Sim, sim...imagine os velhotes falando sobre isso. Grande merda.

E sim, sim...peguei o meu celular e fui ver o que estava acontecendo dentro no mundo virutal. Nenhuma novidade: era o mesmo circo, com os mesmos músicos de apoio e os mesmos palhaços. Vai pro Facebook e Instragam,veja aquelas pessoas sorridentes e felizes...e me diga se a raça humana tem salvação.

Deus...cometi até mesmo o pecado de ver se tinha alguma mensagem pra mim.Pfu!Lá se vai Clint Eastwood envergonhado, John Wayne defenestrado e Steve Mcqueen rindo de mim: me tornei num carente sentimental.

"Oras", pensei eu, " um dia eles vão me reconhecer. Vão ficar chocados de como eles conseguiram desprezar e esquecer num sujeito tão genial quanto eu. Vai ter merda de todos os tipos: um funeral bacana, cantores famosos cantando as minhas composições, pombinhos branco cagando do céu, o babaca do presidente dando um discurso cheio de emoção e nosso querido Brasil chorando por mim e assim por diante. Vai ser uma merda total...vai ser a pior perda desde a morte de Elvis Presley..."

Claro, claro...todo mundo precisa de ilusões, merdas e mentiras, mesmo que seja tarde demais...mas sabia que um dia tudo isso ia morrer.Só que até lá...bom, pretendo tocar a minha strato e seguir em frente.

Rock and Roll!

CaiqueM
Enviado por CaiqueM em 04/05/2021
Reeditado em 05/05/2021
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