Falando em ética

“A vida não era assim, não era assim...”. Parece até que o poeta se antecipou para falar no que aconteceria tempos depois com a pandemia. Volta e meia numa conversa você ouve coisas parecidas com “eu quero a minha vida de volta...”. Será que volta? Enquanto não, as histórias passadas nos ajudam com as suas recordações. Eu mesmo andava pelo mundo afora, entrando e saindo de salas de aula, com atividades mais longas ou curtas, tarefas que me deixavam não só em movimento, mas com muitos “causos” pra contar.

Uma das vezes o acontecido foi em uma palestra para estudantes de Relações Públicas de uma Universidade atendendo ao convite de um deles. O desafio era falar em vinte minutos para cerca de quarenta pessoas sobre o tema ética. O que eu diria em tão pouco tempo para aqueles jovens sobre um tema tão complexo? É claro que pensei em ser provocativo, apresentando algo que mexesse com a rotina tradicional, bancária, das salas de aula, que o mestre pernambucano tão bem ilustrou. E logo me veio à lembrança um filme assistido há algum tempo, que serviria de um bom ponto de partida para o entendimento do conceito de ética. Trata-se de Lendas da Vida (2000), cuja trama se desenvolve em torno de um jogo de golfe. A fita dirigida por Robert Redford, estrelada por Will Smith (interpretando um caddy, pessoa que carrega os equipamentos do jogador, e agindo também como uma espécie de mentor paranormal) e Matt Damon (vivendo um jogador de golfe decadente). A cena que levei para a discussão acontece num momento decisivo da partida. Para um bom entendimento, convém explicar que uma das regras do jogo de golfe estabelece que, se a bola a ser arremessada ao buraco se mover quando o jogador estiver preparando a jogada, tipo limpando o que está ao redor, ele perde o direito a uma das tacadas. No momento da cena, o jogador em descrédito está readquirindo a autoconfiança e com chances de vencer a partida. Na preparação da jogada, quando ele retira o mato para facilitar o arremesso, a bola se move. Nessa hora ele está sendo observado apenas por um garoto, principal incentivador de sua volta ao golfe e pelo seu caddy. Ao ver que a bola se moveu, o garoto apressa-se a negar o fato. O jogador insiste em dizer que a bola se mexeu e o menino, no afã de ajudar, argumenta que ninguém viu e que ele não contará nada. Ao que ele diz: “- mas eu vi e você também viu, e nós sempre saberemos que ela se moveu”. Essa foi a provocação que eu levei para a turma, acompanhada da pergunta: a cena vista nos coloca diante de uma questão ética ou moral? Depois de muita conversa concluímos que estávamos, sim, diante de um problema ético, já que nos remete a princípios, a valores que são permanentes e universais. E é a isso que a ética se dedica, à revelação de valores que norteiam o ser humano, que passa então a se orientar por princípios e convicções. Como resultado, dizemos que a pessoa que assim age tem caráter e boa índole.

Foi interessante discutir com aqueles jovens e eles poderem concluir que, mesmo que não houvesse ninguém por perto observando os movimentos do jogo, aquela pessoa agiria da mesma forma, pois isto fazia parte da sua formação. E que, para muitos, não importa que sejam taxados de bobos, quando acham uma certa importância em dinheiro, por exemplo, e devolvem, mesmo sabendo que as cédulas não trazem o nome do proprietário.

Os vinte minutos foram fechados todos cantando uma indicação musical de um filho, à época adolescente, que ao ouvir Quatro vezes você, do Capital inicial, lembrou-se como ilustração para as minhas aulas: “o que você faz, quando ninguém te vê fazendo? O que você queria fazer se ninguém pudesse te ver?” Já Oscar Wilde, com seu jeito mordaz, bota gente no meio e diz: “Chamamos de ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando”. Dá saudades desse tempo e também vontade de poder, enfim, cantar outro verso da música de Ivan Lins: “Abre alas pra minha folia, já está chegando a hora”. Já está passando da hora...

Fleal
Enviado por Fleal em 11/05/2021
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