Trocando em miúdos

Muitas das teorias científicas, em áreas diversas, são inacessíveis aos leigos. Razões? As explicações são várias. Uma delas foi dada pela neurocientista Susan Greenfield: “No fundo, penso que os cientistas que não gostam de popularizar a ciência têm medo de, ao falar de igual para igual com as pessoas leigas, perder a autoridade e o status.”

Quase tudo – ou será que tudo? – pode ser visto ou dito de maneira entendível, com exemplos acessíveis aos não iniciados. Teorias, regras, estão por toda a parte. Muitas delas até que têm uma explicação mais clara, mas nem sempre se tem alguém disposto a facilitar esse conhecimento.

Em educação, muitas das teorias que explicam, por exemplo, a aprendizagem, poderiam ser apresentadas com exemplos simples, que aparecem no cotidiano das pessoas. Assim, não somente quem é da área aprenderia melhor, como também os que são de outro ramo teriam o seu aprendizado facilitado.

Vamos ao exemplo. O cognitivista David Ausubel desenvolveu a teoria da aprendizagem significativa, que ele resume assim: “Se tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um só princípio, diria o seguinte: o fator isolado mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já sabe. Averigue isso e ensine-o de acordo.” São as tais “âncoras ou pontos de ancoragem”, o que a pessoa já sabe. Em outras palavras: “Quanto mais sabemos, mais aprendemos.” Vejamos como isso se encaixa em duas músicas do cancioneiro popular, que foram feitas de uma forma, mas que são cantadas de outra, e que muitas pessoas nem se dão conta de estarem agindo de forma incorreta. A primeira é Flagra, de Rita Lee, aquela do “no escurinho do cinema...”. Na música ela utiliza alguns nomes de atores e atrizes que fizeram sucesso a partir dos anos quarenta, fazendo deles um jogo de palavras, que aos menos avisados dá outra ideia, que não a de nomes próprios. Veja o verso “se a Débora Kerr que o Gregory Peck”, numa audição descuidada o que sugere é alguém querendo que o outro cometa um pecado.

A outra música é um clássico de Cláudio Zoli, Noite do Prazer. Veja a letra: “na madrugada a vitrola rolando um blues, tocando (...) sem parar...” Você é um daqueles que substitui as reticências acima por “de biquine”?

Imagino que a pergunta está na ponta da língua: e o que tem a ver essas músicas com Ausubel e a sua teoria? Sendo você um apreciador da sétima arte, os nomes de Gregory Peck e Débora Kerr, fazem parte do seu repertório, você tem a “âncora”, o conhecimento anterior, o que facilita o entendimento do trocadilho que a Rita Lee quis fazer ao juntar os dois nomes. Da mesma forma se você sabe o que é o “blues”, uma forma musical surgida nos Estados Unidos, a partir dos cantos de fé religiosa, que tem B.B. King com uma das suas maiores expressões, e por isso mesmo chamado de rei do blues. De B.B. King para “de biquine”, é um passo, para quem não tem as âncoras “Ausubelianas”, que são os conhecimentos de blues e do grande instrumentista norte americano. E assim, quem sabe mais aprende mais, além de não cantar a música de forma errada, confirmando, na prática, o que está na teoria.

Fleal
Enviado por Fleal em 25/05/2021
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