MEMÓRIAS: AMIZADE ENTRE SEIS IRMÃS

Quando era adolescente, certa feita comentei para a minha mãe na cozinha de casa, algo que não lembro mais, mas que falava sobre uma amiga da escola. Fiquei surpresa ao ouvi-la dizer que, minhas melhores amigas eram as minhas irmãs, e que deveríamos ser unidas ao ponto de defender umas às outras.

Na década de 1960, no início da televisão em Pernambuco, passava em um dos dois canais, (TV Radio Clube e Jornal do Commércio), uma novela, cujo título não lembro mais, mas era a história de uma família que tinha seis filhas, e todas começavam seus nomes com “Maria”. E, a cena engraçada era a mãe chamar pelo nome das seis, quando queria falar com uma e não lembrava seu nome na hora. Minha mãe achava graça, pois, às vezes, ela fazia a mesma coisa. Acho que todas as mães fazem isto. Eu, de vez em quando, faço isto. Imaginem, tenho apenas três.

Ao longo dos anos, fomos percebendo que isto é uma realidade. Experenciamos de várias formas a realidade dessa união. Direi que fomos bem ensinadas, aprendemos a lição, e estamos pondo em prática. A cada situação inusitada entramos em cena. Cada qual a sua maneira e de acordo com suas experiências e habilidades.

Quando éramos crianças nos dividíamos em dois grupos; as mais velhas e as três pequenas. Sou a mais velha de todas, em seguida vem uma irmã da qual nossa diferença de idade é de apenas dez meses. Tivemos um só irmão, o terceiro, em seguida vem as três pequenas, e a sétima, há uma diferença é em torno de 12 anos entre a primeira e a última.

Sempre estudamos à tarde, e as três pequenas pela manhã. Então, de manhã dividíamos o trabalho doméstico com a nossa mãe. As três chegavam para o almoço e seu trabalho era cuidar da casa e da cozinha. E, assim, vivíamos e dividíamos tudo.

O nosso quarto era o maior, pois éramos seis. Sim, porque a caçula nasceu com uma diferença da quinta irmã, seis anos. Pois bem, nosso quarto tinha três beliches. Eu, minha segunda irmã, e a caçula dormíamos em baixo. As três pequenas nas camas de cima. E, assim fomos crescendo e nos tornamos adolescentes, jovens, começamos a estudar em horários bem diferentes, namoramos e casamos.

Quem disse que não brigávamos? Ah sim, brigávamos, mas nos dividíamos em dois grupos. Eu e minha irmã versus as três pequenas. A caçula era paparicada por todas. O tempo foi passando, nos casamos, tivemos nossos filhos, mudamos de cidade, de estado, mas continuamos a nos comunicar com o que era oferecido na época, cartas, ligações telefônicas. De vez em quando, as que moravam longe, recebiam visitas de nossos pais, ou vinham nos visitar. E, assim, fomos vivendo e envelhecendo. Nossos filhos cresceram, estudaram e se formaram, casaram-se alguns, e nossos pais, agora idosos, estavam enfraquecidos pela idade, e começamos a sentir que eles partiriam, isto foi ao mesmo tempo um susto e uma tristeza imensa, de que os anos se passaram, uma geração mais velha estava indo embora, e deixando uma lacuna do tamanho de suas vidas.

A cada tio ou tia, primos distantes que partiam para a eternidade, íamos perdendo momentos impares em nossas vidas, como o natal, a páscoa, os aniversários, os almoços, as histórias iam-se emudecendo. Percebi que ao longo de todos estes anos fui gravando na memória as histórias que nos foram contadas um sem número de vezes. Então, tomei a decisão de registrá-las. E, consegui escrever a grande maioria delas. Parti para as pesquisas de campo em cartórios, paroquiais, bibliotecas, cemitérios, além de encontrar alguns antepassados ainda vivos, pudemos registrar o encontramos e algumas fotos. Enfim, suas memórias haviam sido preservadas, e agora estavam registradas em papel. O próximo passo será publicá-las.

A maturidade trouxe consigo a visão de que agora precisamos mais e mais estarmos unidas, porque agora estamos envelhecendo. Vem a sensação do ninho vazio com a saída dos filhos, rumos a construção de suas vidas. E, a certeza de que temos que continuar lutando, vivendo, pois temos uma vida para viver.

Olhando um pouco para trás, há exatos 4 anos resolvemos desocupar o apartamento dos nossos pais, dividir os objetos, e colocá-lo a venda. Demoramos uns dois anos, depois, resolvemos aluga-lo, e assim está até o momento. Contudo, no momento de retirarmos as coisas, estávamos as seis, esvaziando guarda-roupas, vendendo móveis, doando outros, e repartindo o que podíamos dividir. A cada item dividido, vendido, ou doado, a sensação era de tristeza. Mas, a última coisa foi o carro de papai, um chevette, que ele amava. Fiquei muito triste em ver o carro indo embora, e a garagem vazia.

Construí uma árvore genealógica no www.myheritage.com.br, e tenho pesquisado nele e no www.familysearch.com. Em decorrência disto, tenho entrado em contato com muito genealogistas. Estou a “caça” de história desses antepassados. É importante conhecer como viveram, o que experimentaram, como superaram as intempéries da vida. Pude ver que eles tiveram muitos filhos. Minhas avós materna e paterna tiveram muitos netos, e hoje temos poucos filhos, e consequentemente, teremos poucos netos. Porém, a cada certidão de óbito pesquisada, verifico, também, as doenças que os vitimaram. Pena que escrever um diário de suas vidas nunca foi algo importante. Por esta razão, escrevo o meu. Quem sabe um dia, quando partir, alguém o encontre, mexendo em meus livros, resolva lê-lo. Espero que não haja muita condenação. Entretanto, não estarei presente para ver suas reações.

Hoje, muitos anos após a partida dos nossos pais, tios, avós, alguns primos, como irmãs continuamos unidas. Buscando estar presente em comemorações as mais simples, conversando umas com as outras diariamente. Contamos com a tecnologia através do WhatsApp, Telegram, Meet...a nosso favor. E, é claro, pelo menos uma vez por ano nos encontramos na casa de alguma, quando as que moram distante conseguem viajar até nosso estado. Sabemos que podemos contar umas com as outras, ora ouvindo, ora ajudando das mais diversas formas. Somos seis e espero que vivamos longos anos compartilhando nossos pensamentos, contando nossos causos, nossos empreendimentos e sucessos, e curtindo nossos filhos e netos.

Lamentações de Jeremias (AT) 3.23

"Quero trazer a memória o que me pode dar esperanças..."