TAMANHO NÃO É DOCUMENTO (A história da Taça Alexandra)

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Dorando Pietri (1885-1942) foi um maratonista italiano que, nos Jogos Olímpicos de 1908 em Londres, protagonizou um dos momentos mais épicos da história olímpica de todos os tempos.

Dorando começou a trabalhar desde muito cedo como aprendiz numa pastelaria na cidade de Carpi (Itália do Norte). Em seu tempo livre gostava de se dedicar com afinco ao ciclismo e à corrida; apesar de extremamente resistente era um homem miúdo e de baixa estatura, medindo apenas 159 centímetros. Mas, como se sabe, tamanho não é documento.

Em setembro de 1904, Pericle Pagliani, o corredor italiano mais famoso da época, participou de uma corrida justamente na cidade de Carpi e Dorando Pietri, atraído pelo evento, começou a correr atrás de Pagliani: vestindo apenas suas roupas de trabalho, conseguiu manter o ritmo do campeão até à chegada. Poucos dias depois, Pietri fez sua estreia em uma competição oficial, correndo os 3.000 metros em Bolonha e terminando em segundo lugar.

No ano seguinte chegaram os primeiros sucessos, tanto na Itália como no exterior, o mais importante dos quais foi em Paris, onde acumulou uma vantagem de seis minutos sobre o segundo classificado. Em abril de 1906, Pietri venceu a maratona classificatória para os Jogos Olímpicos intermediários, que aconteceriam no verão em Atenas, mas, infelizmente na corrida de Atenas foi forçado a desistir depois de 24 quilômetros, devido a problemas intestinais, quando estava na liderança com cinco minutos de vantagem sobre os seus rivais. Em 1907 obteve inúmeras vitórias, entre as quais o título dos 5.000 metros planos no campeonato italiano.

Entretanto, o episódio que o tornou famoso no mundo inteiro foi a sua participação à Maratona de Londres aos 24 de julho de 1908, um dia de intenso calor. Durante boa parte da corrida, Dorando se manteve na retaguarda, começando a ganhar posições cada vez mais avançadas até alcançar o segundo lugar atrás do sul-africano Charles Hefferon. Pietri aumentou o ritmo e, quando faltava apenas um quilômetro à chegada, ultrapassou o adversário entrando por primeiro no estádio lotado de espectadores. Todavia, o atleta italiano começou a sofrer com as consequências do enorme gasto de energia e a desidratação devida ao calor inusual. O extremo cansaço lhe fez perder a lucidez tanto que, chegando ao estádio, pegou a direção errada. Os juízes o fizeram voltar atrás, mas, depois de poucos metros, Pietri caiu exausto e só se levantou com a ajuda deles.

Faltavam apenas 200 metros ao final, e mais de 75.000 espectadores no estádio estavam torcendo pelo atleta de Carpi. Os juízes da corrida e até alguns médicos correram para ajudá-lo, mas Pietri caiu mais quatro vezes, e continuou cambaleando para avançar em direção à meta final. Quando finalmente conseguiu cortar a linha de chegada, apoiado por um juiz e um médico, estava totalmente exausto. Dorando desmaiou e foi carregado para fora da pista em uma maca. Pouco depois, chegou o americano Johnny Hayes, em segundo lugar. Nessa altura, a equipe americana imediatamente apresentou uma reclamação pela ajuda dada a Pietri, que foi aceita. Portanto, o heroico maratonista foi desclassificado e cancelado na ordem de chegada da prova.

O drama de Dorando Pietri emocionou todos os espectadores do estádio. Querendo compensá-lo pela medalha olímpica perdida, a rainha Alexandra lhe entregou uma taça de prata dourada; essa proposta havia sido sugerida pelo escritor Arthur Conan Doyle, criador do famoso investigador Sherlock Holmes, que estava presente como jornalista do cotidiano britânico Daily Mail. Em sua crônica, o famoso escritor terminou com essas palavras:

«A grande empresa do italiano jamais poderá ser cancelada dos arquivos do esporte, qualquer seja a decisão dos juízes.»

Posteriormente, Conan Doyle sugeriu ao Daily Mail que, entre os leitores, fosse arrecadado dinheiro para permitir que Pietri abrisse uma padaria, assim que voltasse à Itália. A proposta foi bem-sucedida e foram juntadas trezentas libras. O próprio Doyle inaugurou a coleta doando cinco libras. A história desse fantástico empreendimento se espalhou imediatamente pelo mundo, tanto que, de um dia para o outro, Dorando se tornou uma celebridade internacional.

Aos 25 de novembro de 1908, no Madison Square Garden em Nova York, houve a desforra entre Pietri e Hayes e Dorando chegou primeiro com uma vantagem de meio quilômetro. Dorando Pietri venceu também uma segunda disputa com o americano tida aos 15 de março de 1909.

Dorando tornou-se numa grande celebridade internacional, tendo uma canção feita com seu nome pelo compositor Irving Berlin e fez uma grande turnê de corridas nos Estados Unidos, ganhando 17 das 22 provas que disputou no País.

Sua última maratona foi disputada em 1910 na América do Sul, onde conseguiu seu melhor tempo para a prova (2h38m) em Buenos Aires, Argentina. A taça doada pela rainha Alexandra pertence atualmente à “Società Ginnastica La Patria 1879” de Carpi. Sobre o troféu está gravada a seguinte dedicatória:

«To Pietri Dorando - In remembrance of the Marathon race from Windsor to the Stadium - July. 24. 1908 - From Queen Alexandra.»