DE SÓCRATES A PROUST. CONHECE-TE A TI MESMO. EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO.

Criada por Sócrates no século IV a.C., a maiêutica é o conteúdo máximo da expressão da verdade na investigação filosófica. É o encontro da consciência com a verdade. Tem origem na verdade interior. Daí a dificuldade da maiêutica na sua real dimensão.

Antes de operar certezas universais, temos de ser verdadeiros em nossa realidade existencial e interior. Dessa verdade diz o tempo, como no memorialismo detalhado de Proust.

O “nosce te ipsum” socrático – “conhece-te a ti mesmo”, persevera na procura e no encontro das verdades universais, onde o orgulho e a mentira não têm assento, e a humildade se faz alicerce.

A maiêutica é interlocução-interrogativa multiplicada. Na multiplicação de indagações extrairemos verdades contrapostas às mentiras. Poucos conhecem sua própria verdade ou não a admitem, o mais usual.

Maiêutica é verdade de um humilde, que contrariando o orgulho, vivia de esmolas e alijou a soberba, coisa para poucos; Sócrates.

Consiste em perguntas a um interlocutor, na busca da verdade, colocado o objeto, vencida a mentira. Memorialismo pessoal é o grande intérprete da maiêutica, nessa angularidade surge Proust.

A minha verdade, a verdade de terceiro e a verdade verdadeira, absoluta. Esta nasce da memória e a revela a maiêutica na busca pelo método socrático. Nunca se revelará a quem na vida perdeu a identidade, vivendo sob o pálio da irrealidade em ser, como tanto se vê.

O interior é o vestíbulo da maiêutica; ser verdadeiro com sua realidade e, em consequência com terceiros, verdade pessoal ou com o objeto discutido, primeiro passo do método.

A maiêutica exclui a inverdade frente à verdade, como o orgulho se opõe à humildade, pois aquele nunca desce de onde sobe, porque sempre cai de onde subiu, e esta é sempre altaneira.

A verdade de nós mesmos é uma dessas verdades, universal. Não podemos ser senão o que somos. Não há como transpor nossas barreiras, nosso caráter, nossa personalidade, nossa verdade. Se fugimos dessa verdade nunca chegaremos à verdade de nossa existência pela perda de identidade. Nem há possibilidade de fuga, nosso tribunal não permite, sabemos o que somos. Nenhum tribunal externo pode superar o maior tribunal existente que está dentro de nós mesmos, nossa consciência. Dos tribunais externos podemos escapar, de nossa consciência não. É irrespondível. Conhece-te a ti mesmo, e admita-se como é.

Caso contrário, seria como não deixar transparente a água em um copo se a misturamos com terra, e não deixamos a terra repousar (nosso interior) na excelência da nossa verdade existencial, para se aclarar a água.

A mentira traz conhecimento? A mentira faz feliz? A mentira realiza a estima pessoal? Há reconhecimento sem estima? É feliz o mentiroso? Mente o mentiroso por não se sentir realizado? Ou se realiza o mentiroso pela mentira? Se por ela se realiza, qual o motivo em mentir? Por ela, pela mentira, se alcança algum reconhecimento?

Maiêutica ou “sofisticada-obstetrícia” do espírito, que trazia o parto das ideias.

Platão, filósofo gigante ao extremo nos reporta real retrato histórico de Sócrates; é difícil distinguir a linha socrática das especulações críticas acrescentadas por ele. Mas foi o historiador do pensamento de Sócrates, que nada escreveu.

- Quantas coisas das quais não tenho necessidade, já dizia naquele tempo, quando no mercado via objetos, nos remetendo à voracidade capitalista e ao consumismo, ou e melhor para todos meditarem, principalmente os políticos:

- “A prata e a púrpura são úteis para o teatro, porém inúteis para a vida".

Quantos fazem da vida um teatro e pensam usufruir de prata e púrpura, ou seja, riqueza e poder, quando elas estão na realidade, no nosso interior, no “Conhece-te a ti mesmo”, longe da mentira e da pretensão ignara e cômica, que só o bufão-mentiroso não percebe.

Sob esse aspecto, sociedade capitalista-consumista, é bom que se coloque como quer a filosofia coisas simples, para meditação interrogativa, como: Quando compramos o que não usamos ou precisamos, a demasia ou o supérfluo, estamos comprando necessidade ou desejo?

Marcel Proust no primeiro volume da Busca, invade esse conhecimento, lembrando ocorrências com pai, mãe, tias e avó, com detalhes meticulosos descritos, conhece-os por se conhecer, nada distorce em descrição, mas sua história é diversa. Sua verdade é verdadeira, e marca o tempo que não se recupera. De sua inesgotável memória, rica por ser verdadeira com ele mesmo, ainda que na rejeição pessoal, no conhece-te a ti mesmo socrático, mostra a realidade vivida. Mas essa verdade é a de criar um mundo novo, e embora seja um retrato verdadeiro de objetos e coisas foge do enfrentamento que assusta, desde sua não participação na guerra de 1918, até os efeitos insanos de sua “Madeleine”.

“O homem é a criatura que não pode sair de si, que só conhece os outros em si, e, dizendo o contrário, mente.”, dizia ele, afirmando que “Aquilo que para nós faz a felicidade ou a infelicidade da nossa vida constitui para qualquer outro um fato quase imperceptível.”, em demonstração de que “O nosso eu é edificado pela superposição de estados sucessivos. Mas essa superposição não é imutável, como a estratificação de uma montanha. Levantamentos contínuos fazem aflorar à superfície camadas antigas”.

O tempo é a imagem móvel em nós, da eternidade imóvel, a qual sempre pertencemos, por isso o tempo é o nosso maior capital e dele não devemos nos abster vivendo com plenitude nosso “carpe diem” da forma que nos faça crescer; sendo verdadeiros.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 10/06/2021
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