Tangerina e Descartes

Esse mundo é mesmo cheio de novidades. De vez em quando surge uma história nova que coloca em alta, ou em baixa, o consumo de determinado produto. Um dia sabemos que o café faz mal. Não demora muito e surge uma pesquisa, anunciando que o tão consumido líquido, até que faz bem à saúde. Assim foi com o vinho, que depois de reabilitado passou até a ser recomendado a quem tem problemas cardíacos. O chocolate, vilão de muitas histórias, também teve os seus momentos de baixas e altas. Quem diria que a inocente água, tão bebida e até cantada pelos poetas, ensejando que Vital Farias criasse um dos mais belos versos da nossa música, tomando-a como mote – mentira de água é matar a sede – fosse tomada como vilã? É isso mesmo. Um estudo hispano-americano, alguns anos atrás, indicou que o consumo excessivo de água faria mal à saúde. Quem tem problemas cardíacos, por exemplo, correria o risco de sofrer edemas por beber água demais. É claro que médicos e cientistas ressaltam que a ingestão de água na medida certa, é positiva. Mas para saber a quantidade diária a ingerir, é preciso ouvir o corpo, isto é, beber quando a sede aparecer, e não mais com a obrigação de consumir tantos litros por dia. É o que diz esse estudo.

Mais recentemente foi a tangerina, que mereceu destaque na BBC de Londres: cientistas japoneses desenvolveram estudos que atestam que o consumo da fruta pode reduzir o risco de câncer de fígado, doenças cardíacas e diabetes.

Mas por que essas notícias espocam de vez em quando? Exatamente por ser o homem um eterno questionador de tudo, não se conformando com algumas “verdades” estabelecidas. Está sempre sendo movido por novas descobertas, levantando constantes questionamentos acerca das coisas.

O princípio dessa inquietação e dúvida foi muito bem sistematizado por um filósofo francês, nascido no final do século XVI, chamado René Descartes, que intentou estabelecer um método universal, inspirado no rigor matemático, e em suas “longas cadeias de razão”. E aí surgiu o que passou a ser conhecido como “cartesianismo”. Ser identificado como “cartesiano”, teve o seu momento de ser visto como um elogio, mas o tempo (com o surgimento de novas formas de pensar) se encarregou de transformar o termo quase em um xingamento. As suas idéias estão bem explicitadas no Discurso do Método, sendo um dos seus princípios, o primeiro, o que mais se adequa a essa busca por novas descobertas, apresentadas acima.

Esse princípio fala em “nunca aceitar algo como verdadeiro que não se conheça claramente como tal”; ou seja, deve-se ter uma atitude crítica de duvidar de tudo aquilo que é considerado como verdade. É a tal “dúvida metódica”, criada por Descartes, que a ciência agradece.

E é por isso que o chocolate, o café, a água, o vinho, só para ficar nos degustáveis, alternam momentos de anjos e diabinhos, por não serem essas conclusões sobre benefícios ou malefícios que elas provocariam, aceitas como definitivas pelos estudiosos. Ponto para Descartes. E vamos torcer para que os questionamentos acerca da tangerina, que certamente virão (cartesianamente falando), apenas venham comprovar a sua eficácia. Os produtores (e consumidores) da fruta certamente agradecem.

Fleal
Enviado por Fleal em 22/06/2021
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