A SAUDADE REPOUSA NO SILÊNCIO

Os olhos meigos sugeriam que a tudo entendiam, e redarguiam em possível compreensão através de ternos trejeitos e graciosas ações. Fumacinha, a gata inesquecível, minha parceirinha das noites de invernia, quando o Mistério suscitava a doce palavra, e, vez em quando me concitava à vida através da Poesia, seguindo a sugestionalidade dos significantes verbais e seus correlatos significados. Realmente, um animalzinho desse penhor e natureza só pode ter virado estrelinha. A saudade pousa no meu olhar marejado, coração apertado, um nó na garganta neste momento sobejo de íntima reflexão. O Absoluto tudo sabe e, por vezes, nos põe à prova com singularidade, especialmente quando se despem de sua linguagem alguns enigmáticos amores que não utilizam a linguagem dos humanos, todavia demonstram o seu silente afeto até mesmo quando o silêncio se cala em respeito ao osso estelar da eternidade. E, mais uma vez, como nos nascimentos, o choro é a humilde fala dos olhos tristonhos de nossa confusa "lucidez enternecida", cujo legado traduz-se no poema e na imagética de seus jardins estéticos. Esse é um dos singelos tesouros nascidos dos afetos, sejam eles humanos ou não. Contudo, há muitos exemplares, na humana fauna, que nada disso entendem e, muito menos ainda, compreendem, devido, no mínimo, à falta de entrega ao entorno da fenomenologia pouco explicável, atribuída, talvez, aos hálitos trevosos do Mistério. Até que lhe morra o que é apenas matéria e a dor tome corpo em sua falta de fidedigna raiz espiritual, neste plano temporal de inúmeros proscritos entre pactos e trampas, nos domínios do bem e do mal. E eis que sinto no rosto os "lambeijos" de quatro veludosas patinhas, apesar das afiadas garras de sobrevivência. Sigamos na senda dos aflitos, que a virulência volátil dos tempos pandêmicos nos propõe um olhar de dentro para fora sobre homens e bichos. As estrelinhas, há milênios, imantam-se nas benesses com que o Absoluto nos consagra todos os dias. Talvez poucos aceitem ser um mísero "cordeiro de Deus", gemendo silenciosamente sua saga de ser apenas instrumento de posse, devido ao que pode prover ao seu eventual e territorial tutor. Nem sempre aquele que incomoda pela falta de idioma e compreensível comunicação fica em segundo plano. Olho o céu dos bichanos e a abóbada está turva, bem como tudo o que digo e desdigo. O que era mesmo que eu queria que a saudade me dissesse? Chega-se perto não só pela palavra, e sim por atos inequívocos. Sim, talvez porque só os possuídos de fortaleza conseguem chegar ao pão e vinho – à eterna aliança com o espiritual.

MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita, 2021.

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