Comportamentos programados

Observe as pessoas à distância. De perto não, pois, como disse o poeta, “de perto ninguém é normal”. Bem antes de Caetano Veloso, minha avó Kalu, já falava: “-Quer conhecer alguém? Coma um quilo de sal com ela.” É claro que com isso ela não queria dizer que uma pessoa deveria se sentar com a outra e, cara-a-cara, começar a comer o quilo do sal, como se estivem degustando uma guloseima qualquer. Não é isso! Essas coisas acontecem aos poucos e podem levar anos de duração. Só assim, com essa convivência diária é que realmente as pessoas vão se conhecendo e se revelando.

Em outros tempos, quando a pandemia não era a senhora da nossa vida, dava-me ao luxo de sentar em uma cafeteria e ficar observando as pessoas que chegam e que saem. Numa dessas vezes, na companhia de um amigo, “vagabundo” que nem eu, depois de um almoço de muitas conversas, entre um gole e outro de café, ficamos observando um jovem casal de namorados. Formavam um belo par. Mais amor, impossível. Ambos muito carinhosos um com o outro e mesuras não faltavam, em nenhum dos dois lados.

Esse meu amigo é um bom observador da natureza humana, porém pessimista sobre o que há por trás das aparências. Ele não é de acreditar muito no que os seus olhos insistem em ver. Está sempre querendo olhar pelo outro lado, que para ele é só sombra. E nos demos ao trabalho de imaginar como seria a vida daqueles dois, em suas individualidades. Coisa de desocupado, mesmo!

E pensávamos: Seria aquele rapaz tão gentil, como estava sendo com aquela garota a conquistar, com os seus familiares, em casa? Ajudava a colocar a refeição, tirava os pratos para colocar na pia após o almoço, atendia à solicitação de alguém em casa para pegar algo que estava faltando à mesa, do mesmo jeito que estava fazendo ali com aquela menina?

E ela? Também agia com esse mesmo carinho que demonstrava com o namorado, com os seus parentes? Aquele seu olhar terno, também era dirigido aos seus pais, ou estava guardado apenas para os momentos de conquista? E logo me veio à mente Sueli Costa e a beleza dos seus versos: “Quem me vê assim, cantando, não sabe nada de mim...”

Forçoso nessas horas lembrar dos bancos escolares, para encontrar lá as explicações para essas coisas. Afinal de contas competência é exatamente isso: a mobilização de recursos, especialmente os cognitivos, para resolver as situações com as quais nos defrontamos. E lá fui parar no behaviorismo, também chamado de comportamentalismo. Em linhas bem gerais, a teoria diz que ninguém nasce com um determinado comportamento, ou seja, que comportamento é algo que se escolhe. E mais: que comportamento gera comportamento. In other words: pendemos para o que nos é mais conveniente. Quero conquistar aquela garota ou aquele rapaz? Qual é o comportamento mais adequado e conveniente que vai me ajudar nessa conquista? E é assim, exatamente, que vamos nos portar.

Depois da conquista... Bem, aí já são outros quinhentos. As pessoas passam a mostrar um lado que o outro desconhecia, feito aquela história do Dr Jekyll, em o médico e o monstro. Tudo isso porque pode-se até fingir por um bom tempo, ser o que não é. Mas é da natureza: um dia a máscara cai e a pessoa acaba se revelando. E essa outra face, muitas vezes, não é bonita de ser ver.

Fleal
Enviado por Fleal em 20/07/2021
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