Jovem Guarda

Em tempos mornos de pandemia o Youtube acaba sendo a salvação. Foi assim que descobri a Brasil Jazz Sinfônica, cujos concertos basicamente com arranjos sinfônicos dedicados à música popular brasileira, encheram a minha alma. O grupo costuma inserir em sua programação artistas populares que dão mais brilho ainda às apresentações. Além dos maravilhosos concertos me aventurei também por outras viagens “iutubianas” e numa dessas me deparei com um documentário sobre a Jovem Guarda.

Para os mais jovens que me dão o prazer da leitura, essa expressão talvez nem diga muita coisa, mas há quase sessenta anos, os que por lá viveram ficaram marcados por essas duas palavras, derivadas de um programa de televisão. O seu sucesso teve lugar em São Paulo e de lá se espalhou pelo Brasil num canal que dominava as telas, a TV Record. Assistir pela telinha mesmo, à época, isso eu não vi. Além das dificuldades da ainda nascente indústria televisiva para espalhar as imagens pelo país, ter acesso a ela não era para todos. Os jornais e as revistas de fofoca tão em voga no período, davam conta do sucesso daquele grupo de jovens cabeludos, que na avaliação dos “quadrados”, não serviam de exemplo pra ninguém.

Mesmo com tudo tão distante a onda se espalhou rapidamente pelo Brasil e o modo de se vestir e de falar daquela turma, acabou virando padrão nacional. Qual o rapaz daquele tempo que não tinha como sonho de consumo as famosas calças calhambeque? E os modelos boca de sino e correntes no pescoço com o brucutu surrupiado dos fuscas? Isso sem falar nas gírias pronunciadas por todos, que caracterizavam o movimento que marcou toda uma geração.

Passado tanto tempo, muitos dos que viveram aquele período, hoje, já como avós, é que veem que não eram tão ameaçadores assim, à tradição e aos costumes, como os pais imaginavam. As transgressões da época até parecem coisas de crianças em comparação com o que se vê hoje.

Assistindo aos documentários e lendo publicações de então, costumam-se encontrar artistas desfilando e relembrando aquele tempo, e acaba surgindo nomes que já estavam apagados na lembrança. O que foi feito dessas pessoas? Por que tantos desapareceram?

Era até comum antes da pandemia encontrar notícias de alguns desses artistas que se juntavam para fazerem shows que relembravam os anos sessenta, aproveitando uma certa onda de nostalgia. Para mim, melhor que não fosse assim. O que antes era ouvido nos velhos Lps, depois transformados em cds e que hoje estão nos streamings, é o bastante para relembrar aqueles velhos e bons tempos. Eles constituem, com certeza, a trilha sonora de muitos bons momentos, cujas imagens estão guardadas na memória.

Elas dizem tudo e, com certeza, se bastam.

Bom pra uns, doloroso pra outros. Talvez tenha sido por isso que num dos documentários sobre a época, um dos depoimentos que mais me marcou tenha sido o de Eduardo Araújo. Ele não fazia parte do time de estrelas que tinha Roberto Carlos como o astro rei, gravitando em torno dele nomes como Ronnie Von, Erasmo Carlos, Jerry Adriane, Vanderlei Cardoso, Vanderléia, Renato e seus Blue Caps, e outros poucos. Era do segundo time. Eduardo, ficou conhecido pelo sucesso que conseguiu emplacar, fazendo referência a um carro vermelho, que para surpresa minha ele nunca possuiu, conforme foi revelado no documentário, mas que lhe deu a fama de ser O Bom, conforme a letra da canção. O programa Jovem Guarda, tido por todos os outros como o grande marco que desencadeou o movimento no Brasil, mereceu dele uma opinião curta e cáustica: “-Foi apenas um programa de televisão”. Acho que não é bem assim. Com licença dupla de Drummond: o programa passou, o sucesso passou, mas a boa lembrança continua . Talvez para ele tudo não tenha passado de um simples retrato na parede. E aí, como a lembrança de Itabira, deve doer bastante.

Fleal
Enviado por Fleal em 17/08/2021
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