O livro aberto

“A minha vida é um livro aberto” é uma expressão que você, se já não usou, certamente ouviu alguém falar. Ao usá-la a pessoa quer passar a ideia de que a sua vida não tem segredos, que não teme investigações ou, para usar um termo bem popular, não tem “rabo de palha”.

Isso é o que se pretende dizer com o seu uso. Mas pense na imagem de um livro aberto. O que se vê são apenas duas páginas expostas, bem diferente, portanto, daquilo que se quer passar. Algumas folhas antes e outras tantas depois dessas duas não são apresentadas, não batendo, portanto, com a imagem pretendida. E como interpretar isso? Imaginando que esse livro tenha sido lido até o ponto em que ele está aberto, pode-se dizer que a pessoa que o leu detém algumas informações que ela conhece, mas que não são do conhecimento dos outros. As páginas que estão após as abertas, ainda não lidas, são dados que nem a pessoa nem os outros têm ainda conhecimento do seu conteúdo. Já as duas páginas abertas são as que, efetivamente, estão disponíveis aos outros.

Analisando dessa forma o que se vê é uma imagem muito próxima do real, retratada na figura do livro aberto, em comparação com as nossas relações interpessoais. Na realidade todos nós somos um livro aberto, entendendo cada uma de suas páginas como sendo os nossos sentimentos, percepções, opiniões e reações, que são passados para os outros quando estamos nos relacionando. O que mostramos inicialmente são as duas páginas em que o livro está exposto. Ocorre que muitas dessas informações às vezes a gente pensa estar transmitindo de uma maneira, mas a percepção que o outro tem é bem diferente daquela que queremos passar. Os outros ficam sabendo de coisas a nosso respeito que nós próprios desconhecemos, simplesmente pelo que observam de nós e que nem imaginamos que estamos transmitindo.

Muitas dessas percepções, opiniões etc, que são do nosso domínio, nós escondemos dos outros, às vezes por se tratar de uma deficiência nossa, pelo temor de sermos rejeitados. Estas são as páginas do livro que já lemos.

Mas existe também muita coisa sobre nós que não é nem do nosso conhecimento nem do outro. São as páginas do livro que ainda não foram lidas. Estão aí, por exemplo, as nossas potencialidades latentes, coisas que até nós nos surpreendemos depois de ter feito, além do que está em nosso inconsciente.

Dois estudiosos das relações humanas, Joseph Luft e Harry Ingham criaram um diagrama de autoconhecimento batizado por eles de Janela de Johari, (união dos nomes dos dois) para exemplificar como se dão as relações de conhecimento e relacionamento entre as pessoas. Do jeito que acontece com a imagem do livro aberto, eles imaginaram quatro posições (os 4 Eu) que caracterizam o nosso conhecimento e o dos outros acerca de nós próprios: o “aberto” (as páginas mostradas, como a pessoa se apresenta), o “cego” (como as pessoas percebem as páginas mostradas), o “secreto” (a parte já lida e apresentada segundo a conveniência da pessoa) e o “desconhecido” (parte ainda não lida, que é mistério para todos). O uso desse instrumento ajuda no autoconhecimento e, consequentemente, na melhoria da nossa relação com o outro. Manusear esse livro, o livro da nossa vida, lendo-o cada vez, tornando essas informações disponíveis sem subterfúgios é uma das chaves para o bom conhecimento e entendimento entre as pessoas. Vamos à leitura?

Fleal
Enviado por Fleal em 24/08/2021
Reeditado em 24/08/2021
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