Heróis não precisam ser violentos

O culto à violência e teratologia no universo dos super-heróis atinge o seu ápice em "Watchmen", de Alan Moore e David Gibbons, que exacerbaram o que já se verificava no universo DC (personagens da Liga da Justiça) e no da Marvel com os Vingadores e X-Men. Anos atrás um grande amigo já falecido emprestou-me um álbum colorido dos Watchmen, que eu não conhecia a não ser de ouvir falar. Era um álbum misto com quadrinhos e contos.
Quando comecei a ler espantou-me o grau de violência das histórias que também revelavam pouco caso com valores religiosos e morais. Os pretensos heróis eram vigilantes independentes cujos métodos incluíam o espancamento de criminosos. No fim das contas a diferença entre heróis e vilões era praticamente de convenção.
Perpassava tudo um clima de sordidez, tinha até uma mulher raivosa maltratando o filho pequeno. Não havia amor, ternura, esperança, fé, o mundo de Watchmen era cinzento, sombrio e cruel. Coisas assim não fazem bem.
Quando visitei meu amigo para devolver o volume (nem tive estômago para ler tudo) expliquei que não havia gostado. Ele até se espantou: "Pensei que você ia gostar". "Eu sou católico", lembro de ter respondido, "como é que eu posso gostar de algo que vai contra tudo em que eu acredito?"


Era uma boa alma, esse meu amigo, mas como muita gente hoje em dia, apreciador desse fenômeno dos super-heróis, que nas últimas décadas perderam a antiga ingenuidade e passaram decididamente para o mundo da contra-cultura. Então eu pedi a ele que ligasse o computador e acessasse o YouTube, para que eu lhe mostrasse minha super-heroina favorita, a japonesa Sailor Moon, da Naoko Takeushi. Uma personagem a 180 graus dos Watchmen, repleta de amor, compaixão e doçura, apesar de seus grandes poderes que aliás são poderes místicos. Mostrei então um musical tipo ópera, com atrizes de carne e osso interpretando as "sailors", Sailor Moon e suas companheiras. Personagens de claridade e alegria, diferentes do clima sombrio e até macabro dos super-heróis norte-americanos. Creio que ele se admirou, pois não as conhecia.
Menos conhecidas são as Mussumets (palavra japonesa que significa mais ou menos garota ou donzela), criadas por Juzo Matsuki, mas vale a pena citar uma cena antológica do desenho. A doce e sensível Kurenai Ishida, a Mussumet de vermelho, confronta um suposto super-herói da Justiça que pretendia resolver tudo na brutalidade. E que até parecia um pouco o tal Homem de Ferro dos Vingadores. Kurenai passa uma descompostura magistral: "Justiça não é só dar golpes, nem mesmo ficar repetindo essa palavra! A Justiça nasce dentro dos nossos corações!" E apontando o dedo para o outro: "O senhor não luta pelos outros, luta para si mesmo! Não é um herói de verdade!"
Esta sabedoria ética de Kurenai mostra que nem só de violência e cinismo vivem os super-heróis. Uma pena que o que se veja nas nossas bancas sejam revistas da pior qualidade que assustam já pelas capas horripilantes e cheias de agressividade. Essa tendência acaba influenciando o comportamento de jovens no sentido de se tornarem anti-sociais.


Imagens: em cima, Kurenai Ishida, um amor de super-heroina. No meio, cartaz dos sinistros Watchmen (vigilantes). Em baixo Sailor Moon e sua filha Chibiusa, defensoras do Amor e da Justiça.