O valor de uma palestra

Em dias passados Roberto DaMatta escreveu no Estadão sobre esse tema. Na crônica ele falava de um rabino que, ao ser convidado para palestrar em uma congregação judaica, surpreendeu a todos com a cobrança de dez mil dólares, fato esse nunca acontecido “pois jamais nos ocorre recompensar a sabedoria”. Ele foi questionado pelo valor e respondeu: “ou recebo os dez mil ou não faço a palestra”. Ao final da preleção ele chamou o líder do grupo e devolveu o dinheiro recebido, dizendo “realizar uma palestra com 10 mil dólares no bolso era bem diferente do que fazê-la gratuitamente”.

Parto sempre de um princípio: não acho caro o que eu não sei fazer. Serviços de mecânico, eletricista, bombeiro e tantos outros estão fora da minha competência. Por isso, respeito os valores cobrados por esses profissionais. É claro que eu posso – e devo – negociar o valor solicitado. Mas dentro de um padrão que não desqualifique o trabalho. Vamos a um “por exemplo”: Se alguém pedir 50 reais por um serviço, eu posso solicitar um desconto de 10%. Por que não? O que eu não devo é pedir, pelo mesmo trabalho, um desconto de 50%. Agir assim é desrespeitar a qualificação do outro.

Falei nesses serviços básicos porque são normalmente os que têm os seus valores mais questionados. Talvez por serem exercidos, em grande parte, por pessoas com baixa escolaridade formal. Mas há serviços realizados por profissionais de nível superior, que as pessoas pagam, sem fazer cara feia. Serviços médicos, por exemplo. Você vai ao consultório, que já tem estabelecido o valor da consulta, e não há o que discutir. Assim também se dá com os serviços de advocacia, arquitetura e outros mais, cujos valores não são contestados.

Mas, se há uma atividade realizada quase sempre por profissionais de nível superior, e que tem o seu valor questionado, é a de palestrante. Talvez a explicação esteja no fato da pessoa ser associada a um professor, e aí se leva para esse cálculo toda a carga de preconceito e desvalorização que é atribuída à categoria.

É comum se ouvir comentários de pessoas escandalizadas ao saberem que alguém cobra 2 mil reais por uma palestra de duas horas. O espanto é mais ou menos nesse tom: “Dois mil reais por apenas duas horas? É muito caro!...”

Ninguém questiona pagar 500 reais por uma consulta médica que não excede uma hora. Ou outros tantos valores pela planta de uma edificação ou pela defesa de uma causa na justiça. Mas sendo algo ligado ao magistério, todo mundo se acha no direito de questionar, pejorativamente, o seu valor.

Para esses questionamentos a resposta é: uma palestra de duas horas, para chegar ao ponto de ser ministrada, exige muitos anos de estudos anteriores. E pego o meu caso: As minhas resultam de 65 anos de estudos. Trocando em miúdos: a preparação para a tal palestra de 2 horas, começou quando pisei pela primeira vez numa escola, aos 5 anos de idade. Conclui, o que se chamava à época, curso primário, ginásio, científico, fiz três faculdades, duas especializações, mestrado e diversos outros cursos e palestras que, juntos, forneceram os conhecimentos que me permitem ministrar a tal palestra de duas horas. Acrescente-se a isso o contato com a literatura especializada, revistas, jornais, sites na internet, que fazem parte da rotina de preparação, pela qual passam os palestrantes pelo mundo a fora.

Mais um detalhe: a minha área é a didática e empreendedorismo. Se me convidam para falar sobre engenharia aeroespacial é claro que eu não irei, pois não tenho competência para tanto. Mas, quem é dessa área, com facilidade dará cabo dessa tarefa. Ou seja, os 30, 40 ou 50 anos de estudos lhe dão essa condição.

Seria bom que as pessoas antes de acharem cara a palestra ou a aula cobrada pelo outro, ou tentar desqualificá-lo propondo valores aviltantes, pensasse nessas variáveis que levam à determinação do seu preço. Ou então, que peça uma cortesia. Talvez o palestrante tope.

Fleal
Enviado por Fleal em 26/10/2021
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