Amizade Verdadeira

Quando eu era mais nova, briguei com a minha melhor amiga. Nossa amizade era tão bela e tão forte que, independentemente de quantas discussões surgissem, sempre acabávamos juntas novamente. Isso até acontecer um embate maior do que nós.

 

Todo o meu círculo de contatos ficou sabendo do ocorrido e fomos obrigadas a viver separadas. Depois de um tempo, voltamos a ser amigas em segredo, porém nunca mais tivemos a mesma conexão.

 

Aquele desentendimento mudou minha forma de relacionamento com as pessoas. De repente, interagir com o mundo deixou de ser interessante e comecei a isolar-me até das tentativas aproximações dela. Em médio prazo, essa atitude causou-me muito mal.

 

Eu passei a aceitar qualquer tipo de companhia no desespero de não ficar mais sozinha. Além disso, sempre me pegava sonhando com o dia no qual conheceria outra pessoa com tanto significado para mim. Para isso, percebi a necessidade de renovar meu ciclo de conhecidos.

 

Tão logo consegui encontrar novas pessoas, busquei construir nelas futuras amizades. Com muita dedicação, tentei fazer de tudo para que gostassem de mim e me vissem como parte de seu grupo. Às vezes minha sensação era de vitória, às vezes não.

 

Havia momentos nos quais me sentia amada e acolhida, assim como existiam aqueles em que era abandonada. Estes últimos geraram uma grande dúvida quanto ao sucesso de minha missão. O grupo era mesmo tão amigo quanto aquela pessoa que procurava “substituir”?

 

A minha resposta chegou com a pandemia. Por causa do isolamento social, deixei de ver as pessoas com as quais tentava criar um laço. Eu sabia que isso seria péssimo para a minha conexão, mas, por algum motivo, não me abalou.

 

Decidi continuar projetos abandonados há muito tempo. Sabia que se não os realizasse nessas circunstâncias, nunca os completaria. Entretida com outros objetivos, nem senti falta de interagir com aqueles que supostamente seriam meus grandes amigos para toda a vida.

 

Assim foi por muito tempo, não senti nem um pingo de saudade, nem mesmo culpa por esse abandono consciente. Nenhum deles veio atrás de mim tampouco, então era um adeus recíproco. Nós não éramos nada, a pandemia escancarou isso.

 

Felizmente, a verdade é que não fiquei sozinha durante esse período de reclusão. Entrei em algumas redes sociais que auxiliaram meu projeto e nelas conheci pessoas muito legais, e outras nem tanto. Quando fui convidada a participar de certos grupos, o sentimento de honra veio logo.

 

Estava tão entretida com toda essa gente que esqueci dos amigos de carne e osso, aqueles que conhecia cara a cara. As pessoas do grupo jamais me veriam como uma amiga de verdade, seria sempre uma relação superficial. Uma relação capaz de desviar-me do caminho certo.

 

Mesmo sabendo de tudo isso, esses amigos virtuais foram a fonte da minha alegria durante esses tempos difíceis. Graças a eles, tive um rumo, algo que me fazia sorrir e sonhar, uma meta. O acolhimento e pertencimento dessa gente, que talvez eu nunca conheça o rosto, foi maior do que o recebido dos colegas com quem interagia pessoalmente. Isso era no mínimo curioso.

 

Eu não fiquei totalmente esquecida, entretanto. Um dia, recebi uma mensagem de alguém com quem não falava há tempos: era um dos amigos de outrora! A mensagem era bem inconveniente e até assustou-me, mas eu sabia que era apenas uma piada para puxar assunto.

 

Tentei responder na brincadeira também e assim seguimos nos falando. De vez em quando, ainda recebia mensagens com aquela mesma conotação que muito me deixava desconfortável, mas era apenas o jeito desse meu amigo puxar assunto. Por isso, assumi a responsabilidade de conduzir a conversa para um tema mais “aceitável”.

 

Afinal, por mais que eu sentisse um incômodo com aquelas mensagens, sabia os seus significados. Eu tinha encontrado um potencial amigo de verdade, assim como a minha grande companheira do passado. Alguém que se lembrou de mim nesses tempos de horror e eu jamais abriria mão dessa conexão.

 

Esse amigo demorava para responder aos contatos e, terrivelmente, eu sentia um certo alívio nisso. Preferia um milhão de vezes falar com os amigos da internet do que com aquele que lembrou de mim.

 

Finalmente, foi a vez da culpa consumir-me. Veja bem, eu estava destratando quem parecia me valorizar tanto, quem eu acreditava valorizar também... Aparentemente, esses eventos trágicos e inesperados servem para isso, nos mostrar o que realmente importa.

 

Talvez eu estivesse focada demais em criar uma relação forte como aquela de antigamente e esqueci da naturalidade com que deveria germinar esse tipo de amor. Era possível que eu não o sentisse por nenhum deles e apenas agisse mecanicamente na esperança de se transformarem naquela de quem eu gostava de verdade.

 

A pandemia trouxe uma motivação para eu retomar os projetos esquecidos e colocar-me de volta naquilo que eu realmente amava. Finalmente, encontrando minha genuína cara metade. Afinal, não importa se a relação é a distância ou presencial, amizade verdadeira sempre vale a pena.