Um conto de Natal — A floresta mal-assombrada 🔵

A nossa “arvrinha” de Natal tinha vários aspectos depreciativos: era artificial, tava velhinha, já tinha dado o que tinha que dar. O Natal significa um monte de valores abstratos: amor, esperança, amizade, fraternidade, fé, solidariedade etc. Para crianças, é tempo de férias, festas, presentes e mesa cheia. Precisávamos urgente de uma árvore que abrigasse decentemente nossos presentes, pisca-piscas e um presépio cheio de simbolismo. Bom mesmo seria um pinheiro natural, então precisávamos de um, de qualquer maneira. Fomos, minha irmã e eu, comprá-lo.

Aquele ano, talvez fingindo uma imaginária ascensão social, o pinheiro teria que ser real e o maior possível. Na minha imaginação, a minha sala seria uma réplica do Círculo Polar Ártico, de acordo com a tradição. Sou vítima de uma propaganda que me custaria o esforço de transformar a minha sala no Hemisfério Norte, com muito frio, neve e um pinheiro. Eu traria o vegetal, mesmo que eu precisasse arrancá-lo com os dentes.

Pois bem, minha irmã conhecia alguém que cultivava e comercializava a planta. Chegando lá, um senhor nos levou à plantação. Avistei o que deveria ser a maior roubada que eu havia me metido: uma floresta que lembrava o Alasca ou a Floresta Negra (Alemanha). Minha cultura infantil, construída com desenhos animados e estórias norte-americanas e europeias, me alertou caso surgisse um urso, um lobo, uma criatura fantástica, um alce ou vários esquilos famintos.

Os pinheiros eram muito grandes para caber na nossa sala ou carregarmos. Não sei se pelo tamanho, peso, preço ou tudo isso, não fechamos negócio com o velho da floresta. Saímos de lá, antes que aquela aventura sinistra virasse uma fábula dos Irmãos Grimm ou um filme do Tim Burton. A composição do cenário, os personagens (só faltava a bruxa) e o enredo, fatalmente caminhavam para um final trágico.

Voltamos para casa sem assassinar a pobre árvore cuneiforme. Ainda vivos e conformados com a modesta decoração de Natal, nos contentamos com o mesmo de sempre. A decoração foi repetida: neve (num país tropical, no verão), um presépio cansado, pisca-piscas chineses e uma árvore artificial, velhinha e puída.

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RRRafael
Enviado por RRRafael em 23/12/2021
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