O TEMPO VENCE O AMOR?

Sou apaixonada pela arte, o poder de cura que ela exerce através de si mesma é algo extraordinário, além de possuir uma atemporalidade que deixa tudo ainda mais interessante.

Dia desses, pesquisando sobre artistas romanos, me debrucei sobre Pierre Mignard, em especial de sua obra que retrata Cronos (deus do tempo) cortando as pontas das asas de Cupido (deus do amor, filho de vênus). Na obra, as flechas do Cupido e a foice do deus do tempo repousam no chão. Cronos segura o Cupido como se ele fosse uma criança malcomportada, subentendendo-se que a força utilizada não tem a intenção de matá-lo, apenas de corrigi-lo.

E lá fui eu me aventurar nas muitas interpretações sobre essa obra.

Se Cronos é deus do tempo e Cupido é deus do amor, trata-se de uma obra que quer nos dizer algo sobre tempo e amor. Até aí ok. Mas o que exatamente Pierre quis dizer com a sua obra?

“Omnia vincit Amor: et nos cedamus Amori (o amor vence tudo, cedamos nós ao amor)" é uma frase em latim que faz referência ao versículo 69 da Écloga X das Bucólicas, série de poesias de Virgílio, poeta romano. Essa mesma frase serviu de título da obra de Caravaggio, pintor italiano e um grande representante do estilo barroco que ilustrou Cupido com um semblante inabalável, como se fosse invencível, um pouco daquilo que somos quando estamos apaixonados. Na obra, Cupido (amor) se sobressai acima de objetos que ilustram as grandes conquistas humanas, (arte, música, lógica, razão e conquistas bélicas), sendo mais poderoso do que todos esses triunfos, nos fazendo compreender que o amor vence tudo e que ele não se limita a essas coisas, ele transcende.

E ao me deparar com essas duas obras, diferentes em suas narrativas, me pergunto: se o amor vence tudo, conforme Virgílio e Caravaggio, na obra de Pierre, em uma análise superficial surge a seguinte questão: o tempo vence o amor? Que tipo de triunfo teria o tempo sobre o amor?

Para alguns, o tempo não mata o amor, ele apenas o puxa para a realidade, para que ele coloque os “pés no chão”. Se a intenção de Pierre fosse passar a mensagem de que o tempo mataria o amor, trazendo a ideia de que o amor é findo, não teria feito com que Cronos cortasse as pontas das asas de Cupido e sim as arrancasse, por exemplo.

Com o tempo, há transformação, o amor amadurece, o tempo não torna o amor perdedor ao vencê-lo, é o oposto, ele o torna invencível.

O que mais me fascinou ao observar as obras é como os detalhes contam a história. É preciso ficar atento aos detalhes, pois são neles que está contida a essência das coisas.

Gostaria de chegar ao final e ter uma interpretação certeira das obras que citei, mas não fui vencedora nesse desejo, mas vale compartilhar a reflexão:

As paixões são vencíveis.

O amor pode vencer tudo.

O tempo pode vencer o amor, tornando-o invencível. Ou não.

Todos os triunfos humanos são vencíveis perto do amor.

Fato é que, na arte não há interpretação unânime daquilo que observamos, pois o acesso se dá através dos olhos da alma e o que há nela é o que irá refletir na interpretação que temos das coisas. Pierre, Virgílio e Caravaggio podem ter tido outra interpretação, mas nunca saberemos, pois, a arte quando colocada no mundo não pertence mais ao autor e sim do coração daquele que a acessou.

Ingrid Zanini
Enviado por Ingrid Zanini em 15/01/2022
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