E a democracia, como fica?

 

Como sou um cidadão brasileiro eleitor e contribuinte, acompanho com certa atenção o noticiário político estadual e, principalmente, nacional. Como cidadão do mundo, também o internacional. Entretanto, quero escrever hoje sobre a nacional, mais especificamente sobre essa pendenga PSDB x João Dória, por incrível que pareça, entre o candidato que venceu a prévia presidencial da sigla e a executiva nacional do partido.

 

O PSDB fez uma prévia, mobilizou mundos e fundos, repercutiu na mídia e, por fim, o governador de São Paulo, João Dória, venceu o governador gaúcho Eduardo Leite e também a Artur Virgílio. Trinta mil filiados votaram, democracia na veia, lindo de se ver. Olha aí um dos candidatos da terceira via! Só que, passada a prévia, onde os filiados do partido decidiram, começaram sabotagens contra o vencedor. Primeiro, Eduardo Leite, dando a entender que seria candidato pelo PSD ou que mesmo Dória renunciaria e cederia a vaga para ele no PSDB. Não via em Dória disposição de abandonar a candidatura, o que, de fato, ocorreu. Afinal, por que o cara investiria tanto numa prévia para desistir?

 

Agora que Leite retirou o time de campo (retirou? sei lá!), a executiva namora Simone Tebet do MDB, visando, junto com o Cidadania, unificar ela como candidata da terceira via. Logo, ficou claro agora que a instigação à Leite vinha da direção do PSDB, que, assim, demonstra não querer Dória. Só que os filiados do partido quiseram. E agora? De minha parte, a democracia e seus ritos são coisa sagrada, sendo o instrumento da prévia uma delas. Se tu faz uma prévia e não a respeita, está, sim, cuspindo na cara da democracia e dizendo para as pessoas que dela participaram que o voto que deram e, por conseguinte, elas mesmas, não possuem valor e importância alguma. Vejo isso como muito grave, pensando em termos democráticos. Um desserviço!

 

Deixo claro que sou uma pessoa de esquerda que não vê a agenda neoliberal de Temer e Bolsonaro, apoiada no Congresso Nacional pelo PSDB, como saída para o Brasil. Reforma trabalhista (Temer), da Previdência (Bolsonaro), Terceirização (Temer), PEC do congelamento de salários e investimentos em Saúde e Educação (Temer) foram, para mim, um grande retrocesso que, ao contrário do discurso da época, hoje sabemos que não trarão mais empregos, somente mais miséria no médio e no longo prazo num país extremamente desigual acossado pelo desemprego estrutural tecnológico aprofundado pela revolução digital. E Dória é um político da agenda liberal, como é a terceira via, seja quem seja o seu candidato. Assim, num primeiro turno, alternativas para mim seriam Ciro ou Lula. Contudo, vejo João Dória como um baita dum candidato a presidente.

 

É governador de São Paulo, de cuja capital foi prefeito. Seu desempenho durante a pandemia foi tudo o que desejaríamos ter visto de nosso lamentável e inominável despresidente. Dória foi a vida, Aquele-Cujo-Nome-Não-Deve-Ser-Dito foi a morte. O primeiro foi a vacina, o segundo a cloroquina. Um a ciência, o outro o negacionismo. E pergunto: algum outro governador, de esquerda, de centro ou de direita, fez o que Dória fez, viabilizando política e administrativamente a CoronaVac, enquanto brasileiros se desesperavam e morriam sem oxigênio nos hospitais e a economia ia pro brejo? Não! Dória fez! Então digo: se Dória for candidato e ir para o segundo turno contra o Inaperfeiçoável, voto nele, levanto bandeira pra ele e contribuo financeiramente com sua campanha. Não só por ser contra o Insuportável, mas pelo que João Dória fez como governador de São Paulo pelo Brasil quando os brasileiros mais precisaram, em sincero agradecimento ao seu discernimento e a sua competência e eficácia naquele momento terrível da história de nosso país, quando o governo federal, além de inoperante, foi fator agravante da pandemia de todas maneiras possíveis. Quem de fato e na prática bateu de frente e ganhou a queda de braço contra o Inaceitável foi Dória, o resto ficou só no discurso.

 

Sim, Dória vai continuar com a agenda liberal que ferra o povão assalariado, mas um país onde um milhão de pessoas deve ter morrido de Covid-19, de acordo com avaliações realistas para além da oficialidade subnotificada, é um país imperfeito onde a perfeição é quimera. E, como diz a canção dos Engenheiros do Hawaii, "Já perdemos muito tempo Brincando de perfeição Agora é bola pra frente Agora é bola pro chão". Se eu tiver de votar na terceira via no segundo turno da eleição presidencial, preferia mesmo que fosse no meu xará, o João da Vacina. Daí o faria não apenas por obrigação humanitária e dever cívico, mas também por admiração.

 

A democracia é algo muito importante e Dória venceu a prévia do PSDB. De repente, para algumas pessoas, prévia e estrume é a mesma coisa - existem aqueles para quem até eleição é cocô. Para mim, não. Sou um cidadão brasileiro eleitor e contribuinte, sou de esquerda, sou democrata e sou cristão. Acredito na democracia e nas suas instituições. Aliás, acredito no Brasil e nas suas instituições, na democracia representativa e no Estado Democrático de Direito, tão ameaçados hoje por essa extrema-direita no poder, herdeira declarada do autoritarismo e do arbítrio do imperdoável regime de 1964. João Dória pode vir a ser o político que vai mudar isso, dentro do jogo democrático.

 

Agora, para isso, os próprios partidos devem respeitar sua democracia interna e dar lições democráticas ao conjunto da sociedade. Muito feio rifarem assim a candidatura legítima e legitimada de João Dória, muito feio e muito triste.