Sinais do envelhecer

O tempo passa... nos anos 60 era assim que Waldir Amaral, na Rádio Globo, narrava o passar do jogo, com duração certa, quiçá uma sobrevida decorrente da prorrogação. Ganhar ou perder, mas com chance de, em partida futura, devolver o resultado adverso.

Contrapondo-se à certeza do tempo futebolístico, vem a incerteza da vida, quanto à permanência por aqui. E com o acréscimo do poeta: “cuidado companheiro, a vida é uma só. Duas mesmo que é bom, quem disser que tem, terá que provar com certidão passada em cartório do céu, assinado embaixo, Deus, e com firma reconhecida”. Coisas de Bebé, pra se juntar a Tomé, na incredulidade.

Segue o ciclo da vida, quando não se é ceifado antes do combinado. Os sinais de envelhecimento, como versejou Cassiano Ricardo, em Relógio, começam desde cedo, pois “cada minuto de vida, nunca é mais, é sempre menos” e que “desde o instante em que se nasce já se começa a morrer”. Ano a ano os ritos de passagem do tempo vão sendo entoados pela trilha sonora característica da data, o “parabéns pra você”, que a cada vez se aproxima mais da funesta marcha de Chopin.

Acusam também o passar dos anos, as dores. Não mais as de amor, uma vez que a idade caleja, apesar do coração continuar pregando peças. As físicas, mesmo. Sinal de que se está vivo, é certo, mas precisa percorrer todo o corpo, passando do braço pra perna, para as costas, pescoço, como se não quisesse deixar uma parte enciumada por não passar por ela?

Mas essa história de idade, velhice, tem mudado ao longo do tempo. Ter 50 ou 60 alguns anos atrás, já taxava a pessoa de velha. A expectativa de vida do brasileiro em 1945 era de 45,5 anos e subiu pra 76,8, em 2020. Hoje já se tem os sem idade (ageless) como Fernanda Montenegro, Beth Faria, Zezé Motta, Caetano, Gil, Chico, só para dar alguns exemplos de quem enfrenta os 90 ou 80 anos ainda dando pinotes nos palcos.

Mas há outros sinais. Depois de certa idade, os nomes dos locais das dores nas partes referidas, antes primitivos, mudam de grau: perninha, bracinho, barriguinha, cabecinha, do mesmo jeito que esses diminutivos eram dirigidos às pessoas quando bebês. Pra mim essa é a pior fase, a da tentativa de imbecilização do idoso. Pode até ser que alguém veja esse modo de tratar como uma forma carinhosa de se dirigir ao outro, mas EU, não vejo assim e dispenso a distinção. E adianto mais: mesmo com crianças, na fase do aprendizado da fala é bom que ela aprenda que tem braço, e não bracinho. E pra quê se dirigir aos pequenos se expressando com mugangas? Ensinar, desde cedo, do modo certo, pra não precisar corrigir depois.

Conheço bem uma pessoa que é exemplar nessa área. Nunca deixou seus filhos (e agora os netos) sem correção, ao falarem que estavam “comeno”, engolindo o gerúndio. Na mesma hora vinha a correção “comenDO”, que acabou mudando a acentuação de paroxítona para oxítona, no modo zombeteiro dos netos.

Mas há outro sinal, esse pra mim, maravilhoso, indicativo do passar do tempo. É quando você começa a ser chamado de vô. E ainda há a “amazing grace” que é ouvir desse netinho, ou netinha, um Eu te amo, vô. Quer experimentar? Tenha netos.

Fleal
Enviado por Fleal em 26/07/2022
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