Seu nome era liberdade

 

Nada mais significativo do que, no final da década de 1960, haver uma personagem negra cujo nome era "liberdade" no idioma banto africano: Uhura, a tenente da nave estelar Enterprise na icônica série televisiva estadunidense Jornada nas Estrelas, interpretada pela atriz e cantora Nichelle Nichols, falecida ontem aos 89 anos.

 

Com sua morte, do elenco fixo das três temporadas da série original - disponível na Netflix -, transmitida entre 1966 e 1969, ainda vivem os atores Willian Shatner (capitão Kirk, 91 anos), George Takei (oficial navegador Sulu, 85 anos) e Walter Koenig (oficial navegador Chekov, 85 anos). Antes de Nichelle, DeForest Kelley (Dr McCoy, 1999), James Doohan (engenheiro Scott, 2005), Majel Barrett (enfermeira Chapel. 2008) e Leonard Nimoy (Sr Spock, 2015) já haviam morrido. Inicialmente o nome da personagem seria Sulu, mas como esse poderia ser interpretado como uma referência ao idioma africano zulu, o criador da série, Gene Roddenberry (1921 - 1991), resolveu adotar Uhura, usando Sulu para o personagem interpretado por Takei.

 

Nichelle pensou em abandonar a série na primeira temporada e aceitar o convite para participar de um musical na Broadway, onde seus excelentes dotes de cantora seriam aproveitados. Antes de Jornada, cantou com o compositor de jazz, pianista e líder de orquestra Duke Ellington. Podemos conferir a voz de Nichols em dois episódios da série original em que Uhura canta (vídeos abaixo). Quem a demoveu da ideia de sair foi ninguém menos do que Martin Luther King Jr. O pastor batista e ativista político, que seria assassinado em 1968, a convenceu da representatividade do papel para a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, dizendo, conforme depoimento da atriz: "'Você não pode ... pela primeira vez na televisão, seremos vistos como deveríamos ser vistos todos os dias, como inteligentes, de qualidade, bonitos, pessoas que sabem cantar, dançar, podem ir para o espaço, que são professores, advogados. Se você sai, essa porta pode ser fechada porque o seu papel não é um papel negro, e não é um papel feminino, ele pode preenchê-lo com qualquer pessoa, mesmo um alienígena.”

 

Realmente, em Jornada nas Estrelas vemos intencionalmente a pluralidade na composição da tripulação: um estadunidense (Kirk), um irlandês (McCoy), uma afrodescendente (Uhura), um japonês (Sulu), um escocês (Scott), um russo (Chekov) e um alienígena (o vulcano Spock). Era o período pós IIª Guerra Mundial, da Guerra Fria, da Guerra do Vietnã e do Movimento Hippie, e a cultura pop do final dos 1960 visava a construção de uma cultura de paz e igualdade entre as pessoas e os povos. Star Trek está inserida nesse contexto, claro. Roddenberry e Kelley lutaram na guerra pela aeronáutica estadunidense, enquanto o canadense Doohan esteve na Normandia no Dia D.

 

Nichelle Nichols ficou na série e Uhura se tornou seu trabalho mais reconhecido, aquele que a fará lembrada ainda por muito tempo, dada a força que Jornada nas Estrelas ainda mantém ao longo de mais de cinco décadas. 

 

Uma boa semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se e fiquem com Deus.

 

Vídeo You Tube 1 - Nichelle Nichols em Star Trek

Vídeo You Tube 2 - Uhura canta Beyond Antares