O roubo do Marte

Hoje não há necessidade de bebericar uma xícara de café. Minha mão manuseia a caneta, enquanto a minha mente elabora fórmulas práticas para dissipar quase toda a ira e um punhado de tristeza. Acredito que quem faz de tudo para não ficar triste, recusa a oportunidade de criar uma conexão com o universo.

É óbvio que compartilharei o fato que originou o título da crônica. Acredito que quando não estamos no rotineiro modo automático ou tentando fugir da cruel realidade, na intenção de manter a cegueira seletiva, nos deparamos com animais abandonados, desprovidos de qualquer forma de dignidade. Eu me incluo na lista de pessoas que, na maioria das vezes, apenas observa , mas não costumo fingir normalidade diante de tanta banalidade. Quem recusa a tristeza não tenta fazer revolução.

Creio que divaguei um pouco e não disse ainda quem é o Marte. Não é o deus romano, nem o planeta do sistema solar. É o meu cachorro. Foi furtado da minha residência durante a minha ausência. Por isso a ira e a tristeza. O mais revoltante é que alguém o abandonou na rua sem o menor pudor. As pessoas passaram por ele e preferiram ignorá-lo, até que um casal, mesmo não tendo condições de cuidar dele, o resgatou da amargura do abandono e o levou para um pet shop que colocou um anúncio de doação em suas redes sociais. Decidi adotá-lo e ele acolheu-me como seu protetor.

Criamos um elo, dei a ele um nome, o alimentei, etc. Se você é sensível o suficiente para se importar, percebe as emoções no olhar de um animal. Marte estava feliz. Eu estava em paz.

As vezes o ser humano faz de tudo para tornar-se uma criatura repulsiva. Um cãozinho vira-latas não tem valor comercial. Talvez o prazer seja em furtar o objeto e a paz alheia. Talvez eu tenha alguma razão em ser quase sempre pessimista.

02.08.2022.

Miller dos Santos
Enviado por Miller dos Santos em 02/08/2022
Reeditado em 01/11/2022
Código do texto: T7573732
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