Mauro estava deitado com Olivia pelo sexto dia consecutivo, por seis semana, e 'míseras' duas transas rápidas entre filmes de Bergman e pianos de Duke Ellington na vitrola. "Ela gosta de tudo que eu gosto!", foi o terceiro orgasmo; "Olivia come pipoca enchendo a mão e depois a boca... ela fala enquanto come pipoca! A pipoca cai de sua boca em seu colo, é adorável demais!!", foi o seu quarto orgasmo; Cochilou em seu colo enquanto escutavam "Rumba Azul" de Caetano Veloso e este foi o quinto orgasmo; Sentaram-se na varanda um frente ao outro e "Lamento Borincano" junto com se enorme sorriso branco, se dissipou... Vê-la séria era algo raríssimo, mas até mesmo sua seriedade deixava Mauro em posição de ‘televisão de cachorro’, quase sem se mexer… a cabeça um tanto viradinha pro lado. Ela queria dizer alguma coisa, e todo rodeio… toda a seriedade que se confundia com sorrisos tímidos, quase imperceptíveis… a inquietude na cadeira – não era de seu feitio – o fez pensar: “Olivia vai dizer que me ama…”. E serão orgasmos múltiplos, o que é raro – quase um unicórnio – num homem. “… vai dizer que me ama, e eu amo também…”, uma chuva de unicórnios dentro diante da varandinha. Talvez nunca parassem de gozar juntos.

 

Diga, você pode me dizer o que você quiser…!!

Eu…– Sim…?– Eu matei meu EX.

 

Mauro sentiu no ouvido aquele arranhão “ziummmm!!!!!!!” de quando um disco de vinil é puxado da vitrola sem que a agulha seja removida. Ou talvez o Flash tenha passado por ele, gritando-lhe as más notícias. De qualquer forma sua atitude foi a falta de atitude. Permaneceu encarando Olivia nos olhos, mas os seus estavam vidrados… Ele não a via. Mauro via milhares e milhares de pensamentos ao mesmo tempo e não teria a menor condição de descrevê-los se quisesse… e se… solicitado por ela. “Cristo, ele vai correr…”; “Cristo ele vai passar mal…”; “Será que ele sofre do coração? Eu não posso matar mais um, não meu Deus… Ninguém vai acreditar em mim, se ele morrer hoje!!”, “Cristo…”

 

CRISTO!!! diga alguma coisa Mauro!! Você ao menos entendeu o que eu falei??!!

Eu… Entendii… Entendi.

Eu preciso que você saiba tudo… tudo sobre mim.

Será?… Será?… SERÁ…?! Quero dizer… Foi violento?!

Nem tanto, foi um acidente… sabe? Eu era jovem, ELE ME TRAÍU. Tínhamos um montão de dívidas e um dia…

Cê pegou ele com outra e deu um tiro nele?

Não, não… ele tava sozinho.

Ele te XINGOU ENTÃO?! Tentou te bater?!

Nop… não…

Ele lhe ofereceu para traficantes em troca de quitar as dívidas?

Ah, isso… não, não… Estavam quase todas pagas, inclusive. Paguei as últimas sozinha até!

 

Mauro abriu as mãos e ficou olhando prum lado e pro outro como se houvesse uma audiência em volta dos dois e ele virasse perguntando pra eles, com cara de “simmm… e então??? Matou o Ex-marido POR QUÊ?!”; E de repente sentiu o The Flash passar por ele outra vez perguntando em seu ouvido: “Então meu chapa, acabaram-se os orgasmos múltiplos de Unicórnio, não foi???”. Mauro estava prestes a babar de nervosismo. Mal conseguia formular frases… Tinha total certeza de que circulava de pé pela sala enquanto conversavam. Mas na verdade, estava preso em sua pose de cachorro encarando frangos assados (nem tão mais apetitosos como antes).

 

Depois de um monte de coisa a gente já fica NERVOSA, sabe…? Fica a flor da pele. Eu não lembro direito o motivo… Era a TV ligada, estava alta demais, acho… Ele usava um Hobby azul e sentei a máquina de escrever na cabeça dele. Pensei que fosse só machucar… Bati com muita força.

– … Cê matou… ele… com uma… máquina de escrever?! AQUELA?? ALI… A MARROM??!

Não, não… Mauro… Aquela foi pra políciaaa “dããã”, virou prova, ué… evidência. Eu fiquei presa um tempo. Desculpa amor, eu não estava em Aracajú passando uns anos no Projeto Tamar. Era BANGU!

Ai meu Pai do Céu…

 

Eu só estou lhe contando isso, porque tenho fortes sentimentos por você, sabe… Já queria dizer a muito tempo! Acho que… acho que TE AMO!!! De verdade, verdadezona!! TE AMO!!! Sou louca por você!!

Eu… eu… AH! Ack! Cristo! Huuuuuuummmmm… EU AMO VOCÊ. Sim, sim, sim. Também.

Você parece nervoso…

SEGUINTE… continuemos em apartamentos separados, por um tempo… Tá?

Sim, se você ainda se sente inseguro.

Você se importa se… NO INÍCIO… SÓ NO INÍCIO… Eu pôr umas câmeras na casa? E… E… esconder facas, talheres, objetos pontudos?! Um processo de reconfiança, sabe? O que você contou foi bem grave.

Por mim tudo bem amor. Assim… Quero dizer… HIPOTETICAMENTE… Se você acha que essas bobagens que você escondeu, e as câmeras… me impediriam de te matar… Cê sabe que não, né?!

VOCÊ APRENDEU LUTAS, MANUSEIO DE ESPADAS, CORDAS NINJAS??! COISAS ASSIM?? É ISSO QUE ENSINAM NAS CADEIAS FEMININAS?! EU PENSEI QUE FOSSE TRICÔ!

 

Ei, ei, ei. Epaaa… Nada de machismo, cara. Isso me aborrece DEMAIS. Cê num é assim!

Desculpa, “amor”… hehehe… Benzinho, eu não sei onde estava com a cabeça. ALIÁS SEI, SEI SIM. Amor da minha vida…

Diga, benzinho…

A máquina…

Também NÃO PODE ficar?

Pode não… – Se abraçaram, e um filminho já ia começando.

 

Sorrateiramente Mauro tirou os palitos que prendiam os cabelos de Olivia e os atirou embaixo do sofá. Ela fazendo beicinho como quem diz: "Maurôô… que bobagem! Eu JAMAIS enfiaria isso em vocêê…!!", e ele correspondeu com um sorriso amarelo. O primeiro de muitos… O filme correu bem, mas vez ou outra Mauro pausava… se levantava, pensativo… e saía procurando objetos pontudos por todo apartamento… Processadores de palavras, impressoras, notebooks, tesourinhas coisas assim…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 17/08/2022
Reeditado em 17/08/2022
Código do texto: T7583995
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