A afeição em linguaguem Rubra Rosa.

Ela chegou toda-toda. Licença para entrar pediu, mas não, não foi licença obsequiosa, estava mais para insulto. Eu poderia ter negado atendê-la. Ainda havia muita coisa que pedia trabalho naquela segunda à tarde. Trabalhos inadiáveis e ela obstante. Não me explico, não sei bem porque permiti que entrasse.

Sentou-se e colocou os cotovelos sobre minha mesa, disse que se chamava Rubra Rosa e representava o sindicato do Pessoal da Limpeza. Pensei: “Meu Deus, pausa para os comerciais” – Tenho uma mania danada de fazer humor para mim mesmo. Mas não podia haver comerciais, não havia nenhum tempo ou vácuo diante de Rubra Rosa. – Vim trazer duas notícias: uma ruim e outra péssima! – disse ela. “Meu Deus, que caia uma bomba sobre a cidade – não como a de Hiroshima, mas apenas como um clique para paralisar essa mulher. Mas nada, bem sei que não sou digno de graças dignas, quanto mais de pedidos egoístas. Respirei – isso pude. Lembrei que respirar fundo – um trago de ar no pulmão não resolve, mas abranda e dá cabeça para solucionar os problemas. Toquei prosa: Diga então, Rubra Rosa, qual é o bem que nunca acaba e o mal – esse mal aí das duas notícias que sempre perdura? Ela logo entendeu tratava com um osso duro de roer. “Olha rapaz, quem contrata mal no serviço público, paga duas vezes. Você sabe bem que são solidários nesse contrato. Minhas companheiras trabalhadoras não vão ficar no “preju” não!

A partir dali, da palavra “preju”, entendi tudo. Mas ela não se contentou em eu entender toda a situação não. Ela queria solução. Apresentou suas credenciais para que ficasse bem claro na minha cachola que Capitão Nascimento era um “Zero Dois” perto dela. “Já fiz greve sozinha dentro do quartel de Maruípe, porque sou filha de militar. Queriam tirar os benefícios a que eu tinha direito. O coronel disse que eu era baderneira e que iria me prender. Iria me botar no pau de arara. Pagava para ver, principalmente se a arara ficasse de fora. Apostei e ele me mandou trancafiar aqui no Batalhão de Colatina.” De fato eu vira a reportagem sobre o acontecimento. Deu no noticiário da TV.

Naquela altura da conversa já sentia ternura por Rubra Rosa. Estava ali, diante de mim, uma mulher de luta, guerreira, negra, labiosa – um glamour em carne, osso e alma. Pus minhas mãos frias pelo ar condicionado no braço de Rubra. Eu não tinha muito mais a dizer do que admirá-la. Falei, olha meu anjo, os contratos foram feitos pela sede da Instituição, daqui só saiu a informação para tabelar os quantitativos de pessoas e materiais. “Ah, é”? Então você é como o Emerson lá da Serra? Respondi sim. Ela disse que adorava o Emerson. Ponderei que gostar do Emerson era fácil. E ela me exigiu uma cópia do contrato que tínhamos com a prestadora de serviços. Respondi até duas, até dos contratos firmados há dez anos.

Dirigi-me ao armário onde ficam as pastas dos contratos. Para não permanecer o silêncio, disse “letra C. Cê de contrato, assim fica fácil!”. Rubra riu – deve ter me achado um bobo e falou que adivinharia meu signo. Pensei: Se ela acertar não dou minha cara a tapas não, mas vou começar a ler horóscopo. “É você mesmo que organiza os documentos da sala”? – perguntou. Respondi positivo. Então você, pelo que percebi, não só pela disposição das pastas, mas pela maneira de conduzir a conversa, só pode ser de capricórnio. “É isso, sou do mês de janeiro, dez de janeiro”. Ela era de escorpião e disse que tinha tudo a ver com ela. Asseverou-me que capricornianos são organizados. E que eu era um capricorniano skön. Disse que não havia entendido bulhufas do que ela dissera. Rubra disse que havia falado uma palavra em sueco. Falei não acredito! Você sabe sueco, Rubra? Claro! Já estive lá lindona, no meio daqueles loiros, lá. Você precisa ver como são lindas as mulheres, os homens, o povo de lá. Falei que se havia um lugar no mundo que gostaria de conhecer, nesta vida, seria a Suécia. Ela me contou que eu precisava ver numa discoteca em que ela foi se divertir. Contou com alegria nos olhos castanhos que dançavam e chegou uma senhora de cadeira de rodas e todos se divertiram, até mais por isso. Abriram espaço, cada um dividia a sua alegria com a tal senhora, que não se fazia de rogada, e sorvia toda aquela felicidade. Contei para Rubra que sabia do respeito com que o povo sueco tratava os seus semelhantes. E para os suecos toda gente era semelhante. Ó Rubra, pois antes de virar poeira e isso vai demorar muito ainda, vou botar os meus pés na Suécia. Só não sei se vou agüentar a temperatura baixa, aquele frio danado! Rubra disse que para quem ficava numa sala com um ar condicionado ligado no máximo, como aquela, não iria estranhar, e me convidou para ficar na casa da irmã dela, que mora em Estocolmo há tempos.

Tornamos-nos amigos. Eu e Rubra Rosa. Ao se despedir disse-me que ficaria aquela noite em Colatina, mas não no batalhão da polícia militar. Desta vez seria num hotel mesmo. Passei o meu endereço eletrônico e ela me deu o dela.

Ao se despedir, Rubra Rosa disse “älska dig, Joel”.

E eu respondi: “Também gostei muito de você, Rubra Rosa!”

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Joel Rogerio
Enviado por Joel Rogerio em 15/12/2007
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