CONDOMÍNIO MUSICAL

Compraram um terreno suficiente para abrigar suas casas, cinco datas formando um condomínio fechado, construíram quase ao mesmo tempo e inauguraram dando uma festa aos amigos mais chegados. Nunca houve discórdias e desentendimentos, pelo menos até aquele momento, tudo era planejado com a concordância de todos.

Alguns meses após, João senta-se a varanda e exibe um reluzente saxofone, começa a sopra-lo com todo o vigor e ouve-se apenas alguns silvos desafinados. No início os vizinhos foram condescendentes, afinal ele estava aprendendo, mas todos os dias até às dez da noite ( hora combinada entre eles de fazer silêncio) ninguém mais agüentava.

Fizeram a primeira reunião do condomínio num clima tenso, João não admitia intromissão em sua liberdade de tocar um instrumento, os demais tentavam persuadi-lo a trocar por uma flauta doce por exemplo, ou tocar apenas no sábado de manhã. Ficou indignado, levantou-se e foi embora.

Como não havia solução para o caso, Raul resolveu atacar pesado, mesmo com opinião contrária da esposa, comprou uma reluzente Tamo e armou-a na área com seus pratos, surdo e todos os apetrechos de uma boa bateria. Tocava, isto é, batia incessantemente até o limite do horário noturno, tentando abafar o sax.

Isso resultou em uma segunda reunião, aquilo era o fim, tinham que respeitar os outros, quando resolveram morar juntos foi para viverem em harmonia, afinal eram amigos de tantos anos. Não deu em nada, João e Raul não abriam mão dos instrumentos.

Valter achou o cúmulo a atitude dos dois e no dia seguinte chegou com um Selmer dourado, um trompete espetacular, que passou a soprar com toda a força que seus pulmões permitiam, claro até às 22 horas, quando os três se olhavam das varandas de suas casas, como se dissessem “não abro mão da minha liberdade”, “vamos ver quem cansa primeiro” , etc,etc...

Semana seguinte foi a vez do Arthur, trouxe um Yamaha profissional de fazer inveja a qualquer tecladista de banda. Exibia-se tocando bem alto, porém mantendo-se fiel ao horário estabelecido, mas tentando superar os demais com a potência do seu amplificador.

Apesar de ser o mais apaziguador de todos, Carlos não podia perder para seus vizinhos, encomendou uma Gibson e atacou suas cordas com a palheta em riste, produzindo um som infernal.

Não teve mais reunião alguma, mas também nenhuma briga, todos se cumprimentavam cortesmente, um bom dia com um sorriso amarelo, um boa noite entre os dentes, mas nada de churrascos e festinhas como antigamente.

Um ano e meio após essa agonia sonora, num certo domingo de manhã, alguém começou a tocar baixinho, arriscando timidamente uma canção muito conhecida, “Yesterday”, uns minutos depois já se ouvia mais um instrumento acompanhado, depois um terceiro. Repetiram a música e quando perceberam os cinco estavam tocando de forma harmônica a música dos Beatles. Cada um foi destilando seu repertório e juntos tocaram durante horas naquele domingo.

Marcaram a terceira reunião, esta marcada por um belo churrasco, decidiram formar uma banda, começaram a escolher o nome, os horários dos ensaios, o repertório, quem seria vocalista, as composições próprias, etc.

A última vez que os encontrei, iam a São Paulo: gravar o seu primeiro CD.

Costa Filho E.R., 15/10/04

costa filho
Enviado por costa filho em 30/11/2005
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