Aqui tudo embolora, mofa

A menina que atende na casa de ração Zé do Mato, uma das mais próximas daqui da chácara, me disse que o que mais gostava em Itanhaém, era a chuva constante. O que eu podia dizer, tem gosto pra tudo nessa vida. Como em Eduardo e Mônica, “achei melhor não comentar”. Porém, depois de colocar mais duas conchas de ração dentro do saco plástico, ter pesado, acrescentou que havia mudado um pouco de ideia com o passar do tempo, que se deu conta do bolor.

Pois é, o bolor. Aqui tudo embolora, mofa. Se não tomar cuidado, até as próprias pessoas são dominadas pelo fungo esverdeado. Acabam com a fisionomia do Monstro do Pântano da DC. Aliás, já tive algumas vezes a impressão de vê-lo passando pela rua... (ou será que era apenas um morador itanhaense de longa data?).

Minha irmã não acha que estou ficando verde, pelo menos ainda não comentou a respeito, mas sim preto, queimado de sol (sim, Itanhaém, apesar de chover demais da conta, não chega a ser uma Calçoene, no Amapá, segundo o google, o município mais chuvoso do Brasil). Conforme ela, estou muito diferente do branquelo azedo de quase um ano atrás, quando eu vivia boa parte do tempo enfurnado no quarto, na minha antiga casa em Guarulhos.

Realmente aquele cara descorado evitava o sol, as pessoas, o mundo do lado de fora o máximo possível. O que mudou de lá pra cá? O que mudou é que agora trabalho na chácara, e também saio de bicicleta quando tenho que resolver alguma coisa na cidade, como, por exemplo, ir ao mercado, marcar consulta para o meu pai, buscar alguma encomenda, ou comprar ração pros gatos.

“Me vê cinquentas reais de ração, por favor”.

“Nossa, cinquentas reais de uma vez”, disse espantado o homem verde ao meu lado.

“Sim. Nunca se sabe quando vai estiar de novo, né”, respondi.

“O senhor vai querer de qual, moço”, perguntou a funcionária do zé do mato.

“Se possível, a que tiver menos bolor, por favor”.

Tiago F T
Enviado por Tiago F T em 21/11/2023
Reeditado em 21/11/2023
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