POST IT - A TELA MÁGICA

“Quando, porém, entrava no cinema às quatro ou às cinco, impressionava-me ao sair a sensação da passagem do tempo, o contraste entre duas dimensões temporais diferentes, dentro e fora do filme. Havia entrado em plena luz do dia e lá fora encontrava a escuridão, as ruas iluminadas prolongando o preto-e-branco da tela. A escuridão amortecia um pouco a descontinuidade entre os dois mundos e um pouco a acentuava, pois marcava a passagem daquelas duas horas que eu não vivera, sorvido numa suspensão do tempo, ou na duração de uma vida imaginária, ou no salto para trás nos séculos.”

(Italo Calvino - O Caminho de San Giovanni, Autobiografia de um Espectador, 1962)

Em roda de conversas sobre o que mais importa, as tais futilidades imprescindíveis e necessárias que fazem a vida ser mais interessante, rica, e motivo para a prática de amizades descompromissadas, indagam-me -- indago-me -- sobre os melhores filmes, roteiros, protagonistas, diretores, temas musicais, salas de projeção, coisas assim.

Começo respondendo -- respondendo-me -- sem esforços, confesso descuidado com datas e conexões, ao sabor das ideias que fluem num difuso turbilhão de fatos, em avalanches de imagens, acerca de alguns nomes, emoções evocadas, sem ordenamentos nem lógicas (para que lógica?), flashs que ficaram gravados em névoas, mas à flor da mente e alcançáveis sempre que provocadas, permanentes na retina até hoje, sem ater-me a critérios nem planilhas. Como deveria ser a vida.

De início aflora nessa tela mágica Marie Laforêt, Rocco i Suoi Fratelli, Alain Delon, Anne Girardot, Paolo Stopa. O Cine Pitangui, na Praça da Prefeitura, e o cinema da Fábrica de Tecidos. Em Belo Horizonte o Leão XIII, Guarani, Floresta, Santa Tereza, Pathé, Metrópole, Brasil (onde fiz bicos na portaria), Odeon, Acaiaca, Amazonas, Roxi; Oito e Meio, Les Amants, Nouvelle Vague, Les Cahiers du Cinema, O Sol por Testemunha, O Porteiro da Noite, Jules et Jim, Os Primos; Rainer Weber Fassbinder, no longo Berlin Alexanderplatz, Sonata de Outono, Gritos e Sussurros, Persona, filmes-cabeça alemães e suecos; mestres Fellini, Godard, Jean-Pierre Aumont; a beleza apaixonante de Ingrid Bergman e a misteriosa Rita Hayworth, paixão de gerações; Liv Ulmann, a cativante e frágil Giulietta Masina, explosiva Cláudia Cardinale, marcante Lollobrigida; Jean Gabin, Dirk Bogard, Charlotte Rampling, Montgomery Clift, Glenn Ford, Deborah Kerr. As sessões privê da Aliança Francesa no 23° andar do Edifício Acaiaca, do Banco da Lavoura e do Banco Mineiro da Produção.

Meus Dez Melhores? São inúmeros e misturados, não cabem em listas ordenadas. E continuam crescendo.

Ainda bem que vi, e convivi, com Nyoka, a Rainha das Selvas, Hopalong Cassidy, Roy Rogers, Allan Ladd, Sao Mineo. Impregnei-me em Picnic com a cena inesquecível e mágica de William Holden bailando com Kim Novák, inebriado ao som do tema Moon Glow, na cadência do “fox trot” de Eddie De Lange e Will Hudson, executado pelo Benny Goodman Quartet.

Como esquecer de Eva Marie Saint, Billy Wilder, Lee J Cobb, Stewart Granger, Broderick Crawford, Gloria Swanson, Martha Scott, Barbara Stanwyck, Rosalind Russel, Alec Guinness, Jack Palance, Buster Crabbe, Billy The Kid, Johnny Weissmuller, e dos inúmeros Super Homens; Maureen O'Sullivan, Groucho Marx, Charles Chaplin, que me conduziram ao mundo mágico no qual me encontrei por trás da tela.

Como não lembrar da Invasão dos Discos Voadores em filme de 1956, com Hugh Marlowe; dos musicais protagonizados por Libertad Lamarque, linda atriz argentina de olhos profundos e instigantes; dos seriados com as aventuras dos inúmeros Tarzans, Janes e Cheetas, criação de Edgar Rice Burroughs; dos bíblicos Sansão e Dalila, do sempre repetido Manto Sagrado; de Cecil B de Mille, Anita Ekberg, Sophia Loren, Marcelo Mastroianni, Yul Brynner, Claudette Colbert; dos desenhos animados de Hanna e Barbera e Walt Disney.

Ainda: Os Três Patetas; a beleza impactante e misteriosa de Silvana Mangano; o proibido Sirocco; as chanchadas da Atlântida que Oscarito e Grande Otelo eternizaram; Mazzaropi, o Cine Grátis Kolynos na Praça da Estação; a eterna musa da infância, minha primeira paixão eterna, Kay Aldridge; Dolce Vita, Roma Cidade Eterna; Georges Reeves, o primeiro Clark Kent, repórter do Planeta Diário; Jean Seberg, que passou pelas telas e pela vida como um breve cometa; Doris Day, Pier Paolo Pasolini, Cantinflas, Alfred Hitchcock, Linda Turner.

E os faroestes americanos com James Coburn, Randolph Scott, Dan Durea, Antony Quinn, Kyrk Douglas, Henry Fonda e John Wayne? Todos valentes e indomáveis, a ponto de possuírem revólveres e rifles que não necessitavam de recarga, mesmo após o disparo sequenciado das dezenas de tiros certeiros, cavalgando com elegância atrás de diligências sem que os chapéus lhes saíssem das cabeças.

Lembro-me de Buster Keaton; de Clarke Gable, que lançou a moda do cabelo com brilhantina e bigodes bem aparados; de Joan Crawford, Gary Cooper, Akim Tamiroff, Boris Karloff, Bette Davis, Jean-Paul Belmondo, Bela Lugosi; Casablanca, Humphrey Bogart, Lawrence das Arábias, E o Vento Levou, François Truffaut; Viagem à Lua de Georges Méliès; Nosferatu, Max Schrek, Mon Uncle, Jacques Tati, O Rei dos Reis, O Mágico de Oz, O Encouraçado Potemkin; a Palma de Ouro de O Pagador de Promessas, Terra em Transe, Glauber Rocha, Vivien Leigh, Charles Laughton.

Sem direito ao esquecimento do impactante Midnight Cowboy, dirigido por John Schlesinger, com as inspiradas atuações de Jon Voight e Dustin Hoffman, sob a encantada trilha sonora Everybody’s Talkin’, de John Barry.

Meus Dez Melhores? São inúmeros, inclassificáveis porque todos foram mágicos a seu tempo. Não comportam listas. E continuam crescendo. Felizmente.

Merci, Auguste e Louis Lumière.

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(03/07/2003)