POST IT - SEM FANTASMAS NA ÓPERA

Paris. Les Grands Boulevards: Malesherbes, Haussmann, des Italiens et... l’Opéra!

Um giro pelo sempre presente Starbucks, wi-fi gratuito, espressô e diálogo inesperado com jovem francês engravatado e fluente em português do Algarve, origem de seus pais. Em dez minutos contou sobre a angústia e o estresse que estava vivendo: acabara de fazer teste no Le Figaro para estagiar na área administrativa. Comentou em tom aflito sobre as dificuldades extremas para conseguir oportunidades de trabalho em Paris. Morava de favor com o irmão nos arredores. Estava inseguro, olhar perdido, confuso e visivelmente cansado. Despediu-se estendendo as duas mãos e saiu apressado esquecendo a pasta de couro surrado sobre a cadeira. Alertado voltou e, agradecido, despediu-se novamente. Em silêncio acompanhei seus passos através da vidraça até perdê-lo de vista. Bonne chance, rapaz, restou-me dizer num sussurro, também aflito! Lembrei-me da frase de Willa Cather citada por Gail Sheehy na obra Passagens: “Só há duas ou três histórias humanas que se repetem furiosamente, como se nunca tivessem acontecido!”.

Rápida assinatura de ponto nas Galleries Lafayette onde no rez-de-chaussée a poluição de odores famosos massacra o olfato. Não há como reconhecer um simples e inconfundível odor de lavanda, que dirá de petúnias e gardênias multiplicados à exaustão pela mistura quase infinita em fórmulas secretíssimas. Num dos belíssimos quiosques a promotora-química-especialista, muito gentil, informa triunfante que há um cheiro novo recém-criado e nova cor de batom: vermelho-turquesa-andrômeda-381. Folle! Indago se a nova cor pode ser encontrada no espectro luminoso ou é de universo paralelo que não fora detectado por Einstein. Ela não entende, mas percebe que estou brincando com inapropriada ironia e não gosta. Pardon.

Algumas mulheres não se julgam belas em si mesmas sem usar os corretivos dessa poderosa indústria que as colore e, em muitíssimos casos, as enfeiam. De cara lavada em geral são lindas! Mas vá dizer que não conseguiu entender a diferença entre o vermelho-turquesa-andrômeda-381 e o vermelho-turquesa-andrômeda-382! La folie perd. Em seguida almoço self-service à Lafayette com estímulo alegre e feliz de garçom da Jamaica. Uma figura!

Puis, como manda o figurino, esperar pelo momento de abertura das cortinas para o duplo espetáculo de ballet clássico no majestoso palco do Palais Garnier. Nada melhor do que aguardar com petit expressô, eau minerale Perrier e chocolat chaud no Café de La Paix! E chega o momento tão esperado: Opéra Palais Garnier, sinônimo de suntuosidade. Allez!

Porém, o espetáculo de ballet não consegue me desviar do diálogo que presencio logo à frente. Não tenho como deixar de escutar, embora discretamente, mesmo se quisesse. E curioso, confesso, não queria. Dois cavalheiros, um francês vestido com muita elegância, e outro, americano, turista certamente. Ambos na mesma faixa etária: em torno de 75 anos, presumo. Não se conheciam até que o americano pergunta algo sobre a peça que está sendo apresentada. É a senha para início de uma longa conversa que também acompanho durante o intervalo.

O francês se apresenta: Maurice, de Toulouse; trabalha com venda de aeronaves. Robert, americano, da Philadelphia; professor aposentado. Num determinado momento Maurice, muito atencioso, diz a Robert que poderiam falar em inglês já que o professor tem evidente dificuldade com a língua francesa e isso fazia Maurice parecer ansioso. Responde que não. Tem o hábito de falar a língua do país que visita mesmo que isso lhe custe muitos dissabores e constrangimentos. Faz isso sempre que viaja. Salvo na China, brinca. Maurice sorri afetuoso, torna-se mais paciente e relaxa.

Durante o espetáculo, entre pausas silenciosas tecem alguns comentários e cochichos de parte a parte -- sem réplicas -- sobre um ou outro pas-de-deux, a coreografia da cena, o estilo do Maestro, a leveza da bailarina, a suavidade do oboé, a beleza do teatro. Estão felizes. Quem chegasse agora diria que eram dois amigos de longa data em animado papo sobre artes e outras afinidades. Para mim pareciam dois meninos numa sessão de cinema ou na fila da lanchonete no recreio do curso primário a conversar e descobrir a vida praticando amizade.

Talvez nunca mais se encontrem nem se falem nem se conectem. Mas bastaram algumas poucas horas e um único ponto de convergência para inundarmo-nos -- nós três! -- daqueles instantes de descomplicada alegria de meninos. Tão simples!

Busco Alberto Caeiro:

“ A espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é e é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra ... e quanto isso me basta!”.

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(27/09/2011)