DEPOIS DO 23

Durante um período da minha adolescência e juventude, eu ouvia e gostava de algumas músicas dos grupos de rock nacional, em especial, da banda "Kid Abelha" com a vocalista Paula Toller, que cantava uma música cujo título era "Amanhã é 23". A letra dessa música tem um trecho que diz o seguinte:

"Amanhã é 23

São 8 dias para o fim do mês

Faz tanto tempo que eu não te vejo

Queria o seu beijo outra vez.

Amanhã, amanhã..."

A incógnita sobre o real significado desta letra sempre esteve latente em mim, que apesar de não entendê-la na profundidade da significação, justamente por não saber a devida história de sua composição. Mas ela sempre me prendeu pelo seu tom nostálgico e triste, marcado por um passado de suposto afastamento ou falta de compreensão entre duas pessoas (talvez).

Nessa numerologia significativa, o 23 tornou-se, de certa forma, parte das minhas reminiscências, como o marco temporal e emocional desse tempo.

E alguém pode perguntar: o que isso tem a ver com o "depois do 23"?

É que um outro 23, não de agosto, mas de março de 2025, também tornou-se uma data muito forte para mim e para todos os que fazem parte da comunidade onde eu nasci e vivo.

O enorme desastre natural que ocorreu no município de Mimoso do Sul, no Espírito Santo, no dia 23 de março causando inundação e deslizamentos, ocasionando destruição e mortes, marcou profundamente a população de Mimoso, que viveu dias de profundo sentimento de dor e impotência diante de tamanha calamidade.

Em meio a toda devastação, não havia preto, nem branco, rico ou pobre, bonito ou feio, não havia diferenças, todos foram igualmente feridos pela total incapacidade diante do volume e da fúria das águas.

Ao mesmo tempo que vivemos esses momentos de grande e latente dor e desespero, pudemos, também, por outro lado, experimentar uma força sobrenatural indescritível do poder da solidariedade humano.

Depois do dia 23, os muitos dias, meses, até um pouco mais de um ano, fica gravado na memória coletiva a certeza de que somos pequenos demais diante da força da natureza, da qual dependemos como seres viventes nessa grande casa chamada Terra.

Depois do dia 23, fica latente em nós o sentimento de impotência por todas as nossas limitações humanas.

Mas por outro lado, fica evidente o quanto é poderosa a força da caridade, do amor ao próximo, da solidariedade, da empatia. Pois, em meio a tudo aquele caos, pessoas de vários lugares do Brasil e mesmo de outros países, doaram roupas, alimentos, remédios, doaram dinheiro, água, tudo o que fosse necessário naquele momento.

E quem não podia doar coisas materiais, doava o seu tempo em serviço, atendimento, orações, pediam ajuda em suas redes sociais. Foi um imenso e forte abraço de solidariedade, de amor que atingiu de forma expressiva, explícita e quente a população de Mimoso do Sul e, de uma forma muito especial, deu-nos a condição de, aos poucos, irmos nos reconstruindo.

Não obstante, é possível que ninguém que sobreviveu ao dia 23, se esqueça essa data. Porém, o depois desse dia marca a nossa capacidade de ressurgir do caos da enchente, da lama, dos escombros, como Félix das cinzas, com a vital responsabilidade de recomeçar.

O "depois do 23" ressignifica a nossa existência enquanto munícipes, enquanto mimosenses, enquanto cidadãos do mundo que precisa ser preservado, cuidado para a nossa sobrevivência em equilíbrio e sustentabilidade, com responsabilidade coletiva pela vida de todos nós.

Falar sobre tudo isso é muito importante apesar de que somente hoje mais de um ano depois do 23, que consegui expressar este sentimento em relação a tudo o que aconteceu.

Na simbologia metafísica deste número "23", para mim, de fato, o "depois" tornou-se bem mais forte e necessário que aquele "amanhã" representado na música de Paula Toller e a banda "Kid Abelha".

Nina Costa , Mimoso do Sul, Espírito Santo, Brasil, 16/04/2026

Nina Costa
Enviado por Nina Costa em 17/04/2025
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