MEMÓRIAS DE INTERNAÇÃO - 41/42 - ENTRE VEIAS, MÚSICAS E UM NOVO PAPA

DIÁRIO DE INTERNAÇÃO (8 de maio de 2025) – 41/42 – ENTRE VEIAS, MÚSICAS E UM NOVO PAPA

Hoje, teoricamente, seria o penúltimo dia das seis semanas de tratamento com antibióticos. Na prática, contudo, permanecerei internado até sábado, e minha alta dependerá do aval do Dr. William, ortopedista responsável pela cirurgia de retirada da prótese. Ele aguarda os resultados dos exames que atestem, de forma definitiva, a ausência de infecção.

Meu receio é que, diante de um PCR elevado — ou de outro exame qualquer — ainda se opte por continuar com o antibiótico. O que, honestamente, beira o insano. Ao todo, serão 53 dias de antibióticos: dez no Hospital Santa Rita e 43 aqui. Não tenho mais espaço nos braços, tampouco veias viáveis. Em vez de utilizarem um acesso central ou um cateter de inserção periférica central (PICC), que seria mais indicado para tratamentos prolongados, optaram por puncionar repetidamente todas as veias dos meus braços. Além dos acessos — que duram, em geral, no máximo dois dias — há ainda as coletas de sangue a cada três dias.

Tive diversas flebites; as veias estão endurecidas, fibrosadas, o que representa risco cardiovascular real. Meus batimentos cardíacos rondam os 100 bpm, o que me parece excessivo para quem está em repouso. E minha sanidade, essa está por um fio.

Hoje antes mesmo do café da manhã eu dei meu grito (metafórico) a uma enfermeira que passava, que eu precisava com urgência da cadeira de banho. Diante da demora, desci da cama e com o suporte de medicamentos como uma bengala, saí pelo corredor no intuito de buscar a cadeira. Preciso da cadeira, tanto porque ela é mais elevada que o vaso sanitário normal, quanto para tomar banho. Então rapidamente a cadeira de banho chegou e pude fazer tudo aquilo que se faz dentro de um banheiro.

E assim, a tempo de tomar café da manhã junto com meu amor, sem despertar tanta suspeita. Afinal, o café servido pelo Hospital acabara de chegar. Mas Claudia precisou disputar a única poltrona com o Cuidador do Marcos. Por fim, arrumaram mais uma poltrona que coube no quarto apertado.

Claudia saiu um pouco mais cedo para ir no Hospital do Servidor Municipal, mas sempre é pouco. A gente sempre quer mais tempo.

Talvez a presença de Marcos me anime. Ainda não sei qual é sua condição clínica, mas percebo que ele entende o que se passa ao seu redor. Balbucia palavras como “água” ou “não quero mais”, com clareza surpreendente para alguém com tamanha limitação motora. Ontem, pediu “Aba” ao cuidador, e, para minha surpresa, queria ouvir ABBA — "Dancing Queen". O cuidador colocou a música no celular. Depois ele pediu “Voyage”, e então “Voyage, Voyage” tocou.

Mas sua situação é, a meu ver, mais angustiante. Diferente do Sr. Luiz, que apresentava senilidade e sinais de demência, Marcos parece estar lúcido. Entende, reage, deseja — apenas não consegue mover o corpo. A dificuldade de fala parece decorrente da rigidez muscular, a mesma que causa os tremores nas mãos e a impossibilidade de andar.

Será que há cura? Esse quadro pode ser revertido? Não sei dizer. E tampouco sei se sua condição é melhor ou pior do que a minha. Só ele saberá se quer — e até quando quer — continuar vivendo.

Lembro-me de uma frase, comumente atribuída a Nietzsche, segundo a qual o ser humano se apega à vida de tal forma que, mesmo se tivesse que permanecer de pé, num penhasco, sob chuva, ainda assim preferiria essa existência à morte. A ideia, na verdade, está presente na obra A Gaia Ciência, em que Nietzsche explora a força do instinto de sobrevivência, mesmo nas piores condições. Eu não sei. Já vivi dores tão intensas que teria dado tudo para não senti-las. Tomei analgésicos em doses crescentes, sem medo de morrer. Hoje não sinto dor. Quer dizer, meus braços doem, mas perto do que já suportei, é fichinha.

A condição de Marcos me remete àquela imagem de “viver numa casca de noz”, citada por Hamlet em Shakespeare: “Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito, não fossem os meus maus sonhos.” A metáfora da casca de noz — que antes associei ao Sr. Luiz e até a mim mesmo — parece agora pertencer de forma mais justa a Marcos. É ele quem vive confinado dentro de um corpo que não responde. Mas não sei o que se passa dentro de sua mente. Afinal, se fosse um Stephen Hawking, bastaria um cérebro que pudesse se expressar — o corpo seria quase irrelevante.

E no meio disso tudo, Habemus Papam. Leão XIV é o novo Papa. Um norte-americano da ordem dos agostinianos, eleito hoje. Progressista, escolheu esse nome em homenagem a Leão XIII, que foi um grande defensor da dignidade dos trabalhadores e dos mais pobres. Um Papa vindo dos Estados Unidos — país de tradição protestante — pode parecer contraditório, mas é, sobretudo, simbólico. Como ele lidará com Trump, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, com o conflito entre Israel e Palestina, com a tensão entre EUA e China? Com a guerra comercial?

Sei que Robert Francis Prevost, Leão XIV, viveu no Peru, foi missionário por lá. Não encontrei registros confiáveis de que tenha tomado Ayahuasca, mas não me espantaria. Ter vivido na Amazônia peruana certamente lhe trouxe uma dimensão de espiritualidade enraizada na terra e nos povos originários. Formado em matemática, doutor em Direito Canônico, foi bispo de Chiclayo, prefeito do Dicastério para os Bispos, e agora, aos 69 anos, é Papa. Um Papa americano, com raízes latinas, agostiniano e — quem sabe? — visionário.

"Permitam-me prosseguir com essa mesma bênção: Deus nos ama, Deus ama a todos vocês, e o mal não prevalecerá! Estamos todos nas mãos de Deus. Portanto, sem medo, unidos de mãos dadas com Deus e entre nós, sigamos em frente. Somos discípulos de Cristo. Cristo nos precede. O mundo precisa de sua luz. A humanidade precisa dele como ponte para ser alcançada por Deus e seu amor."

Esse trecho foi o mais representativo recortado do seu primeiro discurso após a bênção. Espero que ele consiga, de fato, construir essas pontes. E que também eu possa, de algum modo, atravessar as minhas.