Selva de Pedra

A caminho do ganha-pão — há vinte e cinco anos plantado no mesmo chão, numa escolinha da Prefeitura de São Paulo — observo, como quem assiste a um filme antigo, o sumiço dos últimos traços de um povo que já foi dono de tudo: os indígenas que resistem, poucos, quase sombras, no quintal da história.

Minha escola, coitada, repousa ali, quase encostada no Pico do Jaraguá, onde ainda há mato bastante pra enganar os olhos cansados da cidade. A natureza, mesmo acuada, ainda sopra seu hálito doce sobre essas bandas, como se quisesse lembrar aos distraídos que está viva — apesar dos homens, e não por causa deles.

Pois bem, como sigo sempre o mesmo caminho, vi nascer — do nada bruto — um novo monumento à esperteza humana: um empreendimento imobiliário, cravado no meio da mata, como uma lança no peito de um bicho dormindo. Surgiu da atlântica mata, essa já domesticada com nome bonito de “reflorestada”, um esqueleto de concreto, erguido em silêncio, como quem não quer chamar atenção. Mas chamou. E gritou.

Digo sempre: o ser humano é bicho ambíguo — metade engenho, metade desatino. E agora, ali onde antes só havia passarinho, cipó e silêncio, a bicharada vai ter que se virar nos trinta. Fugir, adaptar-se, sumir.

Em resumo? Onde o capital finca os dentes, os macacos trocam de galho. É a tal da lei da selva — só que invertida. A selva de pedra vence, sempre. A floresta pura, encantada, ainda virgem de asfalto, conta seus dias. Logo, logo, não restará sequer um arvoredinho tímido, perdido na vastidão do nada. A cidade — fria, dura, quadrada — não sabe lidar com a beleza livre. Ela a sufoca.