A ÚLTIMA VEZ QUE ESTIVE COM MAMÃE
Foi na virada de 2009 para 2010. Cheguei na noite de 29 de dezembro e fiquei até as primeiras horas da tarde de 1° de janeiro. Ao nos despedirmos, li em seus olhos um pedido para que ficasse um pouco mais. Fingi que não vi para não perder uma carona para Porto Alegre. A viagem era corrida e eu ainda tinha lugares e pessoas para visitar em outros três estados, antes de voltar para Manaus.
Como me arrependo de não ter cedido ao apelo do seu olhar! Em setembro ela nos deixaria.
Além de breve, aquele nosso último encontro foi tumultuado. A casa estava cheia de gente e ela não pôde dar atenção especial a ninguém, tendo que desdobrar-se em atender a todos. Mas houve um episódio que jamais esquecerei. Enquanto todos se preparavam para saudar o novo ano, comendo e bebendo alguma coisa, pedi licença e fui me deitar, deviam ser 23 horas. Cansado, não demorei para adormecer, a despeito do foguetório é da algazarra natural nessas ocasiões.
No meio da madrugada, com o silêncio restabelecido, senti que alguém mexia na minha cama. Mais tarde, quando acendi a luz para ir ao banheiro, notei que havia sobre mim um lençol todo decorado com motivos gremistas. E que o lençol de baixo e a fronha também tinham as cores e outros símbolos do tricolor gaúcho.
Na calada da noite, depois que as visitas se foram e os demais da casa já estavam acomodados, mamãe foi ver como estava o filho que vinha de mais longe e estendeu sobre ele, para protegê-lo da aragem comum às madrugadas sulinas em qualquer estação, um lençol. De manhã, quando eu preparava minha mochila de viagem, ganhei dela um par de meias soquetes com o escudo gremista. Conservo-o até hoje, numa embalagem transparente, lacrada.