As verdades que nunca foram ditas
Poucas coisas são tão covardes quanto uma mentira bem contada — ou pior, um boato que ninguém se preocupa em verificar.
A gente costuma acreditar que a verdade sempre aparece. É bonito de dizer, reconfortante até. Mas a realidade — nua, suja, indelicada — é que o mundo se move mais pelas versões do que pelos fatos.
E uma versão repetida vezes suficientes vira crença.
Pior: vira identidade alheia sendo moldada sem consentimento.
Não é preciso muito. Um comentário maldoso, um olhar enviesado, uma frase jogada numa roda ou num grupo de WhatsApp — pronto. A reputação de alguém começa a ruir. E quem assiste, em geral, não questiona. Porque dá trabalho pensar, e muito mais ainda se responsabilizar pelo que se replica.
Nietzsche dizia que o homem prefere acreditar em qualquer coisa do que aceitar o incômodo de não saber. E é exatamente aí que os boatos ganham força: no desejo preguiçoso de preencher lacunas com ruído.
O mais irônico é que os que dominam a arte da manipulação passam ilesos.
São educados, estrategicamente simpáticos, dominam o vocabulário da performance moral. Esses, ninguém toca.
Enquanto isso, os autênticos — que talvez não saibam se explicar tão bem, que são mais corpo do que cálculo — acabam sendo os primeiros a cair na linha de tiro da fofoca.
E há algo profundamente cruel nesse teatro social: não basta ser correto, é preciso parecer ser.
E a aparência, como bem alertava Foucault, é uma armadilha onde o poder se esconde.
Mas o que mais me preocupa é a indiferença de quem escuta e simplesmente aceita.
Como se a dúvida sobre o outro fosse natural, inevitável, até divertida.
A verdade é que somos cúmplices — por omissão, por distração ou por prazer disfarçado.
E o dano, esse sim, é real.
Porque uma vez que a confiança é dilacerada, não adianta voltar atrás. A mágoa não desaprende o caminho que percorreu.
Talvez o exercício mais urgente de hoje seja esse: duvidar do que ouvimos com a mesma força com que nos apressamos em julgar.
E entender que quando um nome é arrastado na lama, nem sempre há como limpá-lo por completo depois.
A reputação pode ser uma ficção — mas as consequências são sempre carne.
— Eu, que não acredita mais no benefício da dúvida quando ela já chega contaminada.